Por que a Alemanha vive epidemia de ataques a caixas eletrônicos

Criminosos explodiram quase 500 caixas no país em 2022 – 27% a mais que em 2021. Gangues baseadas na Holanda se aproveitam de peculiaridades da Alemanha, como cultura do "dinheiro vivo" e fragmentação do setor bancário

Por Deutsche Welle

No início de 2022, moradores de um edifício em Ratingen, no oeste da Alemanha, entraram na Justiça para forçar a retirada de caixas eletrônicos de uma agência do banco Santander que ocupava o térreo da construção. "É só uma questão de tempo. É quase como roleta russa: quando será a nossa vez?", declarou um dos moradores a um tribunal local. A ação não teve sucesso.

Pouco mais de um ano depois, a queixa ganhou ares de profecia, quando criminosos detonaram um dos caixas com explosivos na madrugada de 15 de março de 2023 e levaram o dinheiro armazenado em seu interior. Não satisfeitos, os criminosos ainda detonaram no mesmo dia um caixa do Deutsche Bank instalado na fachada de um edifício do outro lado da rua.

Tanto a agência quanto a fachada do prédio em frente foram severamente danificadas pela força das explosões. Na manhã seguinte, destroços cobriam a rua.

As explosões em Ratingen, na região metropolitana de Düsseldorf, não foram um evento isolado. Os moradores do edifício atingido tinham motivos para temer que os caixas fossem alvos de criminosos: em 2022, a Alemanha registrou mais de um ataque do tipo por dia.

Foram 496 ataques bem-sucedidos ou tentativas com o uso de explosivos, contra 392 em 2021 – um aumento de 27%, segundo dados do Departamento Federal de Investigações (BKA, na sigla em alemão).

Ao todo, em 2022, 30 milhões de euros (R$ 158 milhões) foram levados por criminosos em 413 detonações bem-sucedidas. Em 83 casos, as detonações falharam. Além do dinheiro roubado, os bancos reportaram danos materiais de 13 milhões de euros causados pelas explosões. Detonações de caixas viraram um tópico comum no noticiário alemão.

O fenômeno não é recente, mas tem se intensificado nos últimos anos, especialmente no oeste do país, em grande parte devido a algumas peculiaridades da Alemanha, à ação de organizações criminosas transnacionais e ao reforço na segurança de caixas em países vizinhos.

Até o momento, não houve de registro de mortes causadas pelas explosões, mas guardas e policiais já ficaram feridos durante os ataques ou na perseguição a criminosos.

Método explosivo

No total, 660 caixas eletrônicos foram alvos de criminosos na Alemanha em 2022. Os métodos dos criminosos variam. Em alguns casos, os roubos foram executados com o auxílio de brocas ou outras ferramentas. Em outros, os criminosos removeram os caixas completamente para que eles fossem abertos à força em outro lugar.

Em 2005, a cidade de Colônia registrou o primeiro ataque com uso de método explosivo contra um caixa eletrônico na Alemanha. Hoje em dia, esse é o método mais usado por gangues de criminosos. O uso de explosivos correspondeu a 80% dos ataques a caixas em 2022. E, das 496 detonações registradas no ano passado, 399 casos envolveram o uso de explosivos sólidos.

Entre 2015 e 2020, o método mais usado por criminosos envolvia explodir os caixas com o auxílio de cilindros de gás. Em 2019, mais de 90% das explosões ainda eram provocadas por gás.

No entanto, a maioria dos caixas eletrônicos do oeste da Alemanha conta hoje com proteções especialmente voltadas contra detonações com gás. As gangues então se adaptaram, voltando-se para explosivos sólidos, aponta a polícia do estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália.

Não são apenas as explosões que colocam a população em risco. De acordo com o BKA, muitas vezes os criminosos fogem em alta velocidade em carros potentes, normalmente roubados e com placas frias, o que provoca um perigo adicional para pedestres e outros motoristas. Em fevereiro, após um ataque a um caixa na região de Osnabrück, Baixa Saxônia, dois policiais ficaram feridos quando sofreram um acidente durante a perseguição aos criminosos.

Além disso, o BKA aponta que as gangues têm se mostrado cada vez mais violentas. Em 29 de dezembro, criminosos atacaram um caixa instalado na Universidade de Koblenz, no oeste alemão. Na ocasião, um vigia flagrou os criminosos e acabou sendo agredido e rendido. Ele ainda sofreu ferimentos causados pela explosão.

Gangues baseadas na Holanda

O BKA estima que entre 70% e 80% dos ataques a caixas eletrônicos em solo alemão registrados desde 2018 foram realizados por gangues de criminosos baseadas na Holanda, que se aproveitam das fronteiras abertas entre os dois países e a extensa rede de autoestradas da Alemanha, as famosas Autobahns, muitas sem limite de velocidade e todas sem pedágio, o que acaba facilitando fugas.

A cidade alemã de Ratingen, que teve dois caixas detonados em março, fica a apenas 70 quilômetros da fronteira holandesa. O estado da Renânia do Norte-Vestfália, o mais populoso da Alemanha e que compartilha 387 quilômetros de fronteira com a Holanda, foi palco de 182 detonações de caixas eletrônicos registradas em solo alemão em 2022. A Baixa Saxônia, que também faz fronteira com a Holanda, registrou 68 casos.

Em 2023, a Renânia do Norte-Vestfália já registrou 83 casos. Desde 2016, mais de mil caixas foram detonados no estado.

As ocorrências são mais raras no leste alemão, distante da Holanda. O estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, que faz divisa com a Polônia, por exemplo, não registrou nenhum caso em 2022. Outros, como a Saxônia, registraram apenas dez.

Segundo a polícia da Renânia do Norte-Vestfália, autoridades holandesas estimam que a rede de criminosos baseada no país vizinho seja composta por entre 500 e 700 pessoas. Trata-se de uma rede profissional e colaborativa, que transmite seus métodos e recruta rapidamente substitutos quando membros são apanhados pela polícia.

Ainda segundo a polícia holandesa, os criminosos são predominantemente do sexo masculino, com idade entre 18 e 35 anos, muitos com origem marroquina. Em 2022, 128 suspeitos foram identificados pelas autoridades alemãs – destes, 87 operavam a partir do exterior, sendo 75 deles da Holanda. Dos 128, apenas dois eram do sexo feminino. Em 2021, haviam sido 124 suspeitos identificados. Destes, 73 moravam na Holanda.

Cultura do dinheiro vivo na Alemanha mantém milhares de caixas ativos

A Alemanha possuía mais de 55 mil caixas eletrônicos espalhados pelo país em 2021. Na contramão do avanço de métodos de pagamentos digitais que vem sendo observada em outros países, a cultura do "dinheiro vivo" segue forte na Alemanha e pagamentos com cartão ou transferência ainda são recusados em muitos estabelecimentos.

Em 2022, 58% das compras no país foram pagas em dinheiro. Lentamente, novas formas de pagamento têm sido adotadas no país, mas a Alemanha segue como uma nação exótica na Europa Ocidental nesse sentido.

Na vizinha França, por exemplo, os habitantes sacam em média 73 euros por mês de caixas eletrônicos. Na Alemanha, segundo dados do Banco Central do país, os habitantes sacam, em média, mais de 500 euros por mês. A persistência do dinheiro vivo entre os alemães favorece a manutenção da rede de caixas eletrônicos, que não vem declinando no mesmo ritmo veloz registrado em países vizinhos,

Na vizinha Holanda, onde baseia-se a maioria das gangues que atacam caixas eletrônicos na Alemanha, apenas 21% das transações foram feitas em dinheiro em 2022. O número de caixas eletrônicos não chegava a 5 mil no início de 2022, apenas um terço do total registrado pouco mais de dois anos antes. Com cada vez menos caixas em seu país, gangues holandesas passaram a se voltar para Alemanha.

Cobrança por mais segurança

Em abril, ao abordar a questão dos ataques a caixas eletrônicos, a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, pediu que os bancos tomassem medidas para reforçar a segurança.

Mas uma abordagem unificada esbarra na fragmentação do sistema bancário alemão. Há 1.458 instituições bancárias diferentes na Alemanha e muitas têm se mostrado reticentes sobre a eficácia de alguns métodos para reforçar a segurança.

Por enquanto, o governo federal e as autoridades estaduais têm evitado impor medidas obrigatórias, optando por aconselhar as instituições bancárias sobre medidas a serem adotadas. Mas alguns secretários estaduais de segurança já advertiram que isso pode mudar caso as instituições não tomem medidas por contra própria.

"Se isso não acontecer de forma voluntária, os fabricantes e operadores dos caixas eletrônicos serão legalmente obrigados a implementar medidas de proteção adequadas", disse em abril Thomas Strobl, secretário de segurança do estado de Baden-Württemberg, ao jornal Handelsblatt.

Agumas medidas foram implementadas nos últimos anos, especialmente em caixas eletrônicos nos estados do oeste alemão, como os mecanismos para dificultar detonações com uso de gás. Na Renânia do Norte-Vestfália, as autoridades orientam os bancos a instalarem nas agências dispositivos que soltam fumaça para desorientar os criminosos. Muitos bancos alemães já não concedem mais acesso a área de caixas eletrônicos nas antessalas de agências entre 23h e 6h.

Mas outros sistemas de dissuasão, como mecanismos para soltar cola para inutilizar o dinheiro após uma explosão, adotados há anos na Holanda, ainda não foram difundidos na Alemanha. Em março, a Deutscher Sparkassen- und Giroverband, uma associação que representa 12 bancos regionais, anunciou que pretendia adotar o sistema, pouco depois de o método ser finalmente autorizado pelo Banco Central alemão.

A associação, porém, continua a rejeitar que a implementação seja feita por imposição de uma lei. "Uma lei não leva automaticamente a mais segurança", disse Joachim Schmalzl, líder da associação, que considera que medidas inflexíveis não seriam úteis porque os criminosos estão constantemente adaptando seus métodos. Representantes de outras associações bancárias também reclamam que o custo do combate aos criminosos não pode ser apenas responsabilidade dos bancos, e cobram mais ação policial.

Ações da polícia e Justiça

A própria polícia alemã é descentralizada, o que não favorece uma abordagem nacional unificada contra os ataques nos 16 estados do país. Segundo as autoridades, cerca de 200 prisões de suspeitos de atacar caixas foram efetuadas desde 2015. No entanto, o crescimento no número de detonações indica que o efeito dessas detenções não teve impacto significativo.

Alguns estados têm formado forças-tarefas para lidar com a onda de ataques. O Departamento Estadual de Polícia Criminal da Renânia do Norte-Vestfália, por exemplo, criou um "mapa de risco" para quase todos os caixas eletrônicos no estado, que inclui não apenas a exposição dos caixas, mas também a distância em relação à fronteira da Holanda e acesso a autoestradas.

As autoridades do estado de Hesse também adotaram uma estratégia similar, mapeando as prováveis rotas de fugas de caixas mais expostos. Em junho, após um ataque a quatro caixas em Frankfurt, a polícia realizou bloqueios em autoestradas e conseguiu prender quatro criminosos. A operação teve momentos dramáticos. O veículo Audi usado pelos criminosos colidiu contra uma viatura. Três dos criminosos continuaram a fuga a pé, sendo capturados nas horas seguintes por policiais auxiliados por um helicóptero. Todos os suspeitos residiam na Holanda.

Com as prisões, a Justiça também tem entrado em ação contra os criminosos. Em abril, um tribunal regional do estado da Renânia-Palatinado condenou um holandês de 26 anos a quatro anos e meio de prisão pela detonação de um caixa em Niederzissen, em maio de 2022.

No momento, outros três holandeses estão sendo julgados na Renânia do Norte-Vestefália pela detonação de uma agência na cidade de Kierspe, em fevereiro. Assim como ocorreu em Frankfurt, os criminosos também foram pegos após uma fuga dramática. Apelidados de a "Gangue do Audi" pelos tabloides locais por causa do veículo que utilizaram na fuga, os criminosos chegaram a atirar galões de combustível do carro que seguia a mais de 160 km/h contra viaturas que tentavam alcançá-los, além de tentarem usar canetas laser para cegar os policiais. A fuga foi interrompida 40 quilômetros depois, quando o veículo do trio de criminosos se acidentou. Eles ainda tentaram fugir a pé antes de serem capturados. Se condenados, eles arriscam sentenças de até 15 anos de prisão.

Autor: Jean-Philip Struck

Tópicos relacionados

Mais notícias

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.