A Alemanha foi rebaixada de um país "aberto" para "restrito" no último relatório da ONG Civicus sobre o estado global das liberdades civis, publicado na semana passada.
A ONG com sede em Joanesburgo, na África do Sul, publica o relatório Poder Cidadão Sob Ataque anualmente, desde 2018, e classifica 198 países de acordo com cinco níveis: aberto, restrito, obstruído, repressivo e fechado. Os dados são coletados através do Civicus Monitor, relatórios de organizações parceiras em todo mundo e fontes públicas.
É a primeira vez que a Alemanha recebe o status de "restrito". Além dela, apenas outros seis países foram rebaixados.
Mas por que o país mais rico da Europa, com uma democracia consolidada, visto há décadas como livre, recebeu essa classificação?
De acordo com o relatório, os principais motivos foram a repressão a ativistas ambientais do grupo Letzte Generation e as restrições e condições impostas a manifestações pró-Palestina após a eclosão da guerra entre o grupo radial islâmico Hamas e Israel.
"A Alemanha costumava ser um dos países mais livres da Europa", mas agora está "na vanguarda da repressão ao ativismo climático em toda a União Europeia (UE)", disse Tara Petrovic, responsável pelo Civicus Monitor na Europa e na Ásia Central.
Ela ressalta que o rebaixamento da Alemanha deve ser um alerta para que o país e o continente mudem de rumo.
"A Alemanha mostra que os cidadãos nas democracias não estão imunes à erosão de seus direitos", destaca Marianna Belalba Barreto, diretora de pesquisa da Civicus.
O que aconteceu na Alemanha
O relatório cita explicitamente o caso do vilarejo de Lützerath, evacuado e destruído para a expansão de uma mina de carvão, onde a polícia usou "força excessiva" para remover cerca de 700 manifestantes que ocupavam o local. Na época, a ativista do clima sueca Greta Thunbergchegou a ser detida pela polícia alemã.
"O movimento Letzte Generation, conhecido por suas notórias ações de desobediência civil em aeroportos, estradas e museus, foi particularmente visado, com batidas em suas casas, apreensão de bens e bloqueio de sua plataforma online. Os membros do grupo climático agora enfrentam sérias acusações de formação de uma organização criminosa, com base em seus protestos não violentos contra a infraestrutura pública", refere o relatório.
Além disso, o relatório também menciona que, em outubro, após o início do atual conflito entre Israel e Hamas, protestos pró-Palestina não foram autorizados ou foram restritos em cidades como Berlim e Frankfurt sob a justificativa de que poderiam representar possíveis perigos para a segurança e para a ordem pública.
A polícia alemã justificou a atitude como necessária para evitar situação semelhante à ocorrida um dia após o Hamas invadir Israel e matar cerca de 1.200 pessoas. Na ocasião, manifestantes pró-Palestina se reuniram em um distrito de Berlim e alguns celebraram o episódio distribuindo doces a passantes. O ato foi posteriormente dispersado pela polícia, mas gerou mal-estar e indignação na opinião pública.
Como está a liberdade no mundo
De acordo com o relatório deste ano, apenas 2,1% das pessoas vivem em países "abertos", onde não foram identificadas restrições às liberdades e aos direitos civis. Esse é o número mais baixo já registrado desde que começou o monitoramento, há cinco anos. Em contrapartida, 30,6% da população mundial vive em países "fechados", o pior índice já registrado.
Christine Meisler, da ONG Bread for the World, destaca que não são apenas os governos autocráticos que exercem pressão indevida sobre a sociedade civil.
"Mesmo em democracias, o engajamento legítimo da sociedade civil pode ser criminalizado", destaca.
Além da Alemanha, apenas seis outros países foram rebaixados no monitoramento: Bósnia e Herzegovina para "obstruído", Quirguistão, Senegal e Sri Lanka para "repressivo" e Bangladesh e Venezuela para "fechado".
Por outro lado, cinco países melhoraram sua classificação: Timor-Leste para "restrito", Benin, Lesoto e Madagastar para "obstruído" e Líbia para "repressivo".
E o Brasil?
Desde 2018, quando o relatório passou a ser publicado, o Brasil vem sendo classificado como "obstruído", mesmo status de países como Burkina Faso, Serra Leoa, Bolívia, El Salvador, Equador, Indonésia, Polônia, Hungria e Israel.
O relatório deste ano cita o Brasil como problemático especialmente para a atuação de jornalistas e para defensores dos direitos humanos.
le (DPA, EPD, ots)