Foi-se o tempo em que a dieta alemã era simbolizada por linguiça, joelho de porco e cerveja. O prato mais popular no país atualmente é o döner kebab.
No entanto, a hegemonia do lanche de origem turca tem incomodado uma cidade no sul do país.
Políticos de Heilbronn, no estado de Baden-Württemberg, querem impor um limite para o comércio de kebab. O diretório daUnião Democrata Cristã (CDU), partido de centro-direita ao qual pertence a ex-chanceler federal Angela Merkel, apresentou uma moção para limitar o número de estabelecimentos que vendem esse tipo de lanche no centro da cidade.
Durante uma entrevista à agência de notícias alemã DPA enquanto comia um kebab, o vereador da CDU Christoph Troßbach admitiu que o lanche "tem um gosto bom, mas não todos os dias".
600 toneladas por dia
Conhecido por ser uma opção de fast food acessível e saborosa, cerca de 600 toneladas de carne döner são produzidas na Alemanha diariamente.
A carne, geralmente de frango ou bovina, é assada em uma churrasqueira vertical e fatiada muito fina. Vira o döner kebab quando inserida em um pão, com saladas e molhos. Há também opções sem carne – com halloumi (tipo de queijo) e falafel.
O lanche tem suas origens na Turquia, mas é reverenciado na Alemanha após ter sido introduzido por imigrantes turcos na década de 70. Atualmente, quase três milhões de pessoas com raízes turcas vivem na Alemanha, a maior comunidade fora da Turquia.
A cruzada da CDU em Heilbronn não se limita às lanchonetes e barracas de kebab. O partido mira outros negócios geralmente associados às comunidades turcas na Alemanha, como barbearias e estúdios de manicure, e pede que esses estabelecimentos também sejam limitados em prol da "diversidade".
A proposta do partido foi duramente criticada, mas encontrou apoio em parte da população. Além da CDU, a Alternativa para Alemanha (AfD), sigla de ultradireita, é outra força política local, com a defesa de pautas como a volta de imigrantes para seus países.
A prefeitura, no entanto, é cautelosa sobre uma iniciativa para discriminar certos tipos de estabelecimentos. Heilbronn tem aproximademente 150 mil habitantes e é governada pelo Partido Social Democrata, de centro-esquerda, sigla do chanceler federal, Olaf Scholz.
"A questão de se limites superiores são possíveis para certos empreendimentos comerciais é muito complexa e abrange várias áreas da lei", disse uma porta-voz da administração da cidade, acrescentando que a prefeitura está analisando o pedido da CDU.
"A moção será tratada no conselho municipal após as férias de verão [na Europa]", disse a porta-voz.
Berlim reivindica a autoria do lanche
A capital alemã diz que foi o palco da invenção döner kebab.
"Aconteceu em Berlim: diz a lenda, Kadir Nurman foi o primeiro a colocar a carne no pão achatado em 1972 e inventou a versão do döner que é tão querida na Alemanha", segundo o site da cidade.
Mas há controvérsias. Em abril, a International Doner Federation (Udofed), com sede na Turquia, apresentou um pedido à Comissão Europeia para conceder ao döner kebab o estatuto de Especialidade Tradicional Garantida (TSG).
Surgiu então uma disputa entre Turquia e Alemanha sobre o que constitui um döner kebab, com Berlim se opondo a uma pressão turca para obter o status de proteção para o lanche icônico.
Desde a carne e temperos exatos até a espessura da faca usada para fatiar, a federação deseja que o lanche seja preparado de acordo com uma lista rigorosa de critérios.
Se for bem-sucedido, o pedido impediria as empresas da União Europeia de usar o nome döner kebab, a menos que atendesse aos critérios, dando à comida o mesmo status protegido que a mussarela de bufala da Itália ou o presunto Serrano da Espanha.
No seu pedido, a Udofed atribui as origens da comida ao Império Otomano, citando uma receita encontrada em manuscritos que datam de 1546.
O presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, não se fez de rogado em viagem à Turquia, em abril. Em uma cerimônia, levou o próprio espeto de döner na mala de Berlim a Istambul e ajudou a cortar 60 kg de carne.
O gesto que serviria para sinalizar um intercâmbio cultural foi considerado por muitos membros na diáspora turca como ofensivo, ao reduzir suas contribuições a um clichê.
sf/le (DPA, AFP, ots)