Paris 2024 gera temor de gentrificação em bairro pobre

Vila Olímpica dos Jogos na capital francesa está sendo construída numa das áreas mais pobres da França. Autoridades locais esperam um impulso econômico, mas moradores temem impacto do enobrecimento urbano.

Por Deutsche Welle

O barulho dos caminhões é constante. Eles percorrem as vias do terreno transportando contêineres-dormitórios e banheiros químicos, que em breve não serão mais necessários ali. A Vila Olímpica para os Jogos de 2024 em Paris está sendo construída nesse espaço de 52 hectares, com conclusão prevista para 31 de dezembro.

As autoridades esperam que o megaprojeto estimule a economia local e melhore o departamento de Seine-Saint-Denis, um subúrbio de Paris e a área mais pobre da França continental. Por outro lado, alguns moradores temem o impacto negativo do projeto. E economistas não descartam essa possibilidade.

"Trabalhamos com 40 arquitetos de todo o mundo para construir a cidade do século 21", conta Marion Le Paul, vice-diretora geral da Solideo, empresa pública responsável pelo projeto.

Segundo ela, a construção da vila emitirá 47% menos CO2 graças ao uso de madeira e concreto com baixo teor de carbono. Os materiais são transportados por navio, evitando assim 25 mil viagens de caminhão. "Também estamos instalando sistemas geotérmicos de aquecimento e refrigeração nos apartamentos, que assim não precisarão de ar condicionado", acrescenta.

A Solideo está investindo 1,7 bilhão de euros na Vila Olímpica. As obras foram iniciadas no fim de 2020, com até 3 mil profissionais trabalhando simultaneamente no local. Quatro empresas imobiliárias – Vinci Immobilier, Icade, Legendre Immobilier e Nexity – compraram o terreno do setor público e realizam as obras.

Edifícios abrigarão 14.500 atletas olímpicos e, posteriormente, 6 mil atletas paraolímpicos. Após os Jogos, as empresas francesas planejam remodelar os 2.800 apartamentos e depois vendê-los ou alugá-los. Também haverá área de escritórios com espaço para até 6 mil pessoas.

Para o prefeito de Saint-Denis, Mathieu Hanotin, a vila e outras infraestruturas olímpicas, como uma nova piscina, são "excelentes notícias": "Este projeto aumentará consideravelmente o valor dessa área. Também porque se construirão novas pontes e estradas aqui, se erguerão muros antirruído e novas linhas de energia serão instaladas."

Moradores preocupados com poluição do ar

Por outro lado, Hamid Ouidir – membro do Comitê de Vigilância dos Jogos Olímpicos da cidade de Saint-Denis, que inclui moradores da região – não acredita em benefícios para a população local: "Ficamos muito felizes quando soubemos que os Jogos seriam aqui. Mas agora sentimos que estamos sendo atropelados."

O francês de 50 anos, pai de duas crianças pequenas, teme que a qualidade do ar da área possa piorar ainda mais durante e após os Jogos. "Realizamos medições durante cinco meses e detectamos que a poluição do ar está constantemente acima do limite considerado seguro para a saúde humana. É provável que essas taxas fiquem ainda piores com o aumento da população e do tráfego."

Ele duvida que as quatro novas conexões de metrô planejadas – apenas uma será concluída a tempo para os Jogos – reduzirão a poluição do ar: "A população ainda usará seus carros para ir ao trabalho."

Ouidir também refuta o argumento de que os apartamentos construídos aliviarão a crise imobiliária em Saint-Denis, afetado pela falta de moradia, assim como outros departamentos franceses: "Os novos apartamentos só aumentarão o número de habitantes, pois a gente de Saint-Denis não tem condições de comprar imóveis a 7 mil euros o metro quadrado."

A imobiliária Icade – que está construindo e venderá 643 apartamentos da Vila Olímpica, 200 dos quais acabaram de ser colocados no mercado para compradores particulares – argumenta que isso não é totalmente verdade.

"Fomos contatados por compradores interessados de Seine-Saint-Denis e de outros lugares, como Paris", afirma a gerente de projetos da Icade, Florence Chahid-Nourai. "E estamos vendendo a preço de mercado – que é obviamente mais alto para apartamentos recém-construídos do que para os mais antigos."

Seine-Saint-Denis ameaçado pela gentrificação

Andrew Zimbalist, professor de economia do Smith College, em Northampton, nos Estados Unidos, tem analisado praticamente todos os Jogos Olímpicos e suas vilas desde 1986.

"Normalmente há gentrificação de bairros: os aluguéis sobem e a gente não consegue mais custear a moradia", afirma, frisando que há pouquíssimos exemplos de vilas olímpicas que mais tarde elevaram o bem-estar geral de uma área.

Uma delas poderia ser a Vila Olímpica dos Jogos de 1996 em Atlanta, nos Estados Unidos, mas o projeto teve um lado negativo: "Os apartamentos da Vila Olímpica estão agora sendo usados como dormitórios para estudantes", diz Zimbalist. "Mas para construir a vila, os desenvolvedores tomaram terras de comunidades de baixíssima renda, expulsaram-nas e derrubaram as casas onde viviam."

Segundo o economista, os organizadores precisam levar em conta os chamados custos de oportunidade dos projetos: "Eles precisam se perguntar se o dinheiro público poderia ser usado de uma forma socialmente mais compatível."

Para o morador Ouidir, a resposta é "sim": "Realmente precisaríamos de uma farmácia e de um centro de saúde pública na área." Contudo, o prefeito Hanotin argumenta não ser possível os Jogos resolverem todos os problemas da área. Ele até gostaria que houvesse enobrecimento urbano em Saint-Denis: "Os Jogos atrairão uma população mais diversificada. Atualmente temos 52% de moradias populares e precisamos de mais apartamentos regulares para atrair outros segmentos da população."

"Custos excedentes até agora moderados"

Com o impacto econômico local de certa forma discutível, a França pode pelo menos ter certeza de que os Jogos Olímpicos terão um impacto benéfico na economia como um todo? Não necessariamente, opina o economista Zimbalist: "Olimpíadas geralmente custam entre 20 bilhões e 40 bilhões de dólares, mas geram apenas cerca de 5 bilhões de dólares de receita."

Por sua vez, Wladimir Andreff, professor emérito de economia da Universidade Paris 1 e presidente do Observatório de Economia do Esporte do Ministério do Esporte da França, é mais otimista.

"É verdade que as cidades organizadoras geralmente subestimam os custos da realização dos Jogos Olímpicos – também quando se candidatam para sediar os Jogos": os Jogos de Inverno de Sochi, na Rússia, por exemplo, custaram 50 bilhões de dólares, em vez dos 6 bilhões inicialmente estimados, lembra o professor.

"Por outro lado, os custos excedentes em Paris têm sido moderados até o momento. O Tribunal de Contas da França estima que os custos tenham subido apenas 30%, chegando a 8 bilhões de euros."

Paris 2024 pode ter efeito positivo?

O resultado final, no entanto, só será conhecido em retrospectiva – e é algo complicado, sublinha Luc Arrondel, professor da Escola de Economia de Paris. "Temos que levar em conta vários efeitos indiretos, como, por exemplo, o fato de que os Jogos podem melhorar a imagem de Seine-Saint-Denis aos olhos dos investidores internacionais."

Para ele, é provável que os Jogos tenham um efeito positivo: "Pesquisas realizadas durante os Jogos Olímpicos de Verão de Londres de 2012 mostraram que os londrinos se sentiram muito mais felizes durante os Jogos – especialmente, é claro, quando sua equipe ganhou medalhas."

Autor: Lisa Louis

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