Para que estudar? Os jovens que sonham em virar "influencers"

Pesquisa mostra que 75% dos jovens brasileiros desejam virar influenciadores digitais. Ilusão de vida fácil e ostentação encantam jovens e os fazem perder o apreço pela escola e pela educação. O que esperar do futuro?

Por Deutsche Welle

Alguns anos atrás, se perguntasse para um jovem o que ele gostaria de ser quando crescer, é muito provável que ouviria respostas como "juiz”, "engenheiro”, "aeromoça” ou "bombeiro”. Alguns, mais sonhadores, até diziam que queriam ser jogador de futebol ou cantor.

Hoje o cenário mudou e é seguro esperar por "influencer”. Uma pesquisa realizada pela startup INFLR em 2022 revelou que 75% dos jovens brasileiros sonham em ser influenciadores digitais.

O tema segue sendo atual e arrisco dizer que é provável que a porcentagem tenha aumentado. Os dados mostraram que havia duas grandes motivações. Para 75% dos entrevistados a escolha envolvia ser uma voz relevante e inspirar outras pessoas. Para 64%, era o interesse financeiro.

Me chamem de pessimista, mas o exposto me preocupa. Acredito que, de forma simplista, podemos dividir a problemática em dois momentos: no consumo de conteúdos de influenciadores digitais e também na consequência disso: o sonho equivocado de ser influenciador e ter uma vida fácil.

Alienação dos jovens e crianças

Tudo começa no próprio consumo de conteúdo. Há poucos dias minha mãe me ligou para falar sobre um dos meus sobrinhos. Ele tem 11 anos e está dando muito trabalho na escola, a ponto que a direção chegou a cogitar a expulsão. Nas aulas, só dorme, faz bagunça e não se concentra. Para a idade, tem dificuldades graves com a leitura e com a escrita.

Mas o que isso tem a ver com a questão dos influenciadores? Tudo. Meu sobrinho passa horas no celular. Há sim irresponsabilidade dos pais. Minha irmã e meu cunhado falham, sim, mas não estão sós. Milhões de pais entregam o celular na mão de uma criança para que ela fique quieta.

Muitos influenciadores produzem conteúdos direcionados para crianças e jovens. Já outros, ainda que não façam isso explicitamente, sabem que têm esses dois grupos como público-alvo. Boa parte desse conteúdo é totalmente fútil e superficial. Entendo que eles não são necessariamente professores e que não têm obrigação para com a formação de alguém, mas não posso deixar de pensar no senso de responsabilidade que deveria existir.

Poxa, eles têm tanto poder de alcance e de influência. Poderiam, ainda que de forma básica, provocar os jovens para trabalharem o senso crítico ou focar, minimamente, seus conteúdos para difusão de informações importantes. No entanto, a prática é bem diferente. Eles corroboram com a ideia de que tudo é fácil e de que a vida é perfeita. Além disso, produzem conteúdos que tornam os jovens alienados e seres não pensantes, totalmente alheios ao mundo real. Estão, ainda que não propositalmente, corroborando para uma futura geração de alienados e não pensantes.

Inapropriada sexualização

Não posso deixar de falar sobre o gravíssimo problema da sexualização dos jovens. Há muita produção de conteúdos com cunho sexual, ainda que de forma mais polida, pautada em brincadeiras de duplo sentido ou em pegadinhas. É uma total irresponsabilidade. Aqui, confesso, fico um pouco intrigado com a falta de repercussão sobre, especialmente por vivermos em um país em que um projeto de educação sexual nas escolas é capaz de gerar um motim.

Meu sobrinho é uma grande vítima disso e me entristece muito. Ele, muitas vezes, tem falas e brincadeiras totalmente inapropriadas para a idade. É uma criança tendo sua infância roubada.

As crianças precisam ser protegidas da internet e não das escolas. Reforço que entendo a responsabilidade dos pais e das famílias, mas não podemos isentar os produtores de conteúdo.

Estudar para quê? Vou ser influencer digital

Eu tento sempre ser uma pessoa aberta ao diálogo e a entender que o mundo muda muito rapidamente. Entendo que há o surgimento de novas profissões, de novos modelos e formatos de trabalho e que a internet e as redes sociais são partes inerentes desse novo universo.

Também quero aproveitar para sinalizar que há sim influenciadores muito éticos e responsáveis. Além disso, há belíssimos trabalhos de influenciadores com formação acadêmica e que utilizam suas plataformas para a difusão gratuita de importantes conteúdos para a população.

No entanto, a grande maioria corrobora para uma visão de que a vida é fácil, de que estudar é irrelevante e de que todos podem ser tão ricos quanto eles e basta se dedicarem às redes sociais.

Há muita ostentação de carros caríssimos, de mansões luxuosas, de viagens intermináveis, de restaurantes cinco estrelas e de uma vida pautada apenas em sorriso, muito dinheiro e em facilidade. Quem vai querer estudar assim? Quem vai querer se dedicar para um caminho de investimento de longo prazo, quanto o mundo que você tem diante da palma das suas mãos mostra uma vida perfeita e por um caminho aparentemente tão mais fácil? Quase ninguém. Não à toa, não é impossível que cheguemos em um cenário em que o sonho de influenciador será o de todos os jovens brasileiros.

O que esses jovens não notam, até porque os queridos influenciadores não fazem muita questão de mostrar, é a megaestrutura por trás dos posts aparentemente triviais, cotidianos e fáceis. Muitos têm equipes, inclusive, compostas por profissionais graduados nas mais diversas áreas.

Temo pelo futuro

Sempre gosto de terminar a coluna com algum direcionamento ou possibilidade, mas desta vez me reservo o direito de ser pessimista. Dedico minha vida à educação há oito anos e acredito, em cada célula de meu corpo, que ela é a maior estratégia e ingrediente para um futuro menos desigual. No entanto, para ser honesto com vocês, eu temo que o futuro desejado seja uma ilusão.

Isso porque os jovens são nosso futuro. É eles que seguirão todo o trabalho que fazemos hoje. É eles que precisam ocupar espaços para os encher de diversidade. É eles que precisarão estar por trás das políticas públicas.

Mas me parece ingenuidade demais esperar isso de jovens que simplesmente não estão lendo mais, que querem tudo fácil, que não mais sabem lidar com frustração, que não querem mais estudar e cujo maior sonho é virar influenciador

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Autor: Vinícius De Andrade

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