Países da UE trapaceiam na medição de poluição, afirmam ONGs

Apelando para aferições deliberadamente erradas, alguns membros do bloco registram poluição do ar muito menor que a real. Óxido de nitrogênio é responsável por 140 mil mortes por ano no continente.

Por Deutsche Welle

Olhando do alto da montanha Vitocha em direção ao norte, tem-se uma bela vista da capital búlgara, Sófia, situada numa ampla planície ao pé das montanhas. Pelo menos em teoria. Na realidade, Sofia muitas vezes desaparece sob uma espessa camada de neblina. Isso se deve principalmente aos milhares de velhos veículos movidos a diesel que emitem grande volume de fumaça suja e tóxica.

No inverno, há também a fumaça dos sistemas de aquecimento doméstico, que queimam carvão e, às vezes, até lixo. Tudo isso faz de Sofia uma das cidades europeias com maior poluição atmosférica.

Oficialmente, porém, o problema não existe. A maioria dos valores oficiais medidos para óxido de nitrogênio (NO2) está abaixo do valor-limite da UE de, no máximo, 40 microgramas por metro cúbico de ar. Assim, no papel, a poluição atmosférica é relativamente baixa em Sófia.

Agora, um relatório da organização ambiental búlgara Za Zemiata (Para a Terra) divulgado na última terça-feira (08/10) mostra que as autoridades estão deliberadamente encobrindo a extensão da poluição. Isso ocorre porque a qualidade do ar em Sófia é medida em locais onde a verdadeira extensão da poluição não é registrada.

Uma estação de medição oficial, por exemplo, está localizada num parque atrás de árvores, a 65 metros de uma movimentada rua principal. "Essas estações de medição vêm há anos fornecendo dados para garantir que Sófia supostamente cumpra os limites legais de óxidos de nitrogênio", diz Ivaylo Hlebarov, da Za Zemiata.

As medições realizadas pela organização em ruas e cruzamentos movimentados mostraram valores quase duas vezes mais altos do que os declarados oficialmente. Desse modo, a ocultação da poluição do ar pelas autoridades "beira um crime contra a saúde pública".

Poluição ocultada em vários países

Sófia não é um caso isolado. Em vários outros países europeus, como Hungria, República Tcheca, Eslováquia, Kosovo e Romênia, oculta-se sistematicamente extensão da poluição atmosférica. Isso foi confirmado pelos resultados das aferições realizadas por sete organizações ambientais em 64 locais, de 2022 a 2024.

As medições revelaram níveis de NO2 significativamente mais altos do que os declarados pelas autoridades. Em 55 locais, foram medidas concentrações de NO2 significativamente mais altas do que o valor-limite médio anual de 40 microgramas por metro cúbico, prescrito pela UE e que vigora há mais de 14 anos.

Em Pristina (Kosovo), por exemplo, as medições oficiais não chegaram nem à metade das medições das organizações ambientais. Em Sófia, elas foram 47% menores; em Budapeste (Hungria), 43%; em Bratislava (Eslováquia), 27% e em Bucareste (Romênia), 24% menores do que os resultados das medições das organizações ambientais.

Fraudes na indústria automotiva

As emissões de óxido de nitrogênio são originárias principalmente de carros a diesel com filtragem inadequada dos gases de escape. Os fabricantes de automóveis vinham cometendo fraudes em grande escala há anos, como veio à tona em 2015 através do escândalo das emissões automotivas de diesel, inicialmente na Volkswagen e depois também em outros fabricantes de automóveis.

De fato, os veículos a diesel vendidos novos até 2020 não estão em conformidade com os limites prescritos para as ruas da Europa e não foram adaptados pelos fabricantes.

Em média, os carros a diesel mais antigos emitem cerca de cinco vezes mais óxido de nitrogênio do que os limites estabelecidos pela UE. Os cidadãos da Europa Central e do Sudeste são particularmente afetados por isso, pois há um número particularmente grande de veículos a diesel mais antigos nas ruas.

Como, por exemplo, na capital do Kosovo: "A qualidade do ar em Pristina sofre com o uso intenso de veículos a diesel, gerando níveis de NO2 que excedem os limites da OMS e da EU", afirma Arben Lila, da organização ambiental e de saúde Kosovo Advocacy & Development Centre.

Gás mata 140 mil por ano na UE

O óxido de nitrogênio é um gás tóxico que pode danificar as células dos pulmões e outros órgãos, desencadear processos inflamatórios e diabetes e aumentar o risco de afecções cardiovasculares, como ataques cardíacos. Segundo estimativas da Agência Europeia do Meio Ambiente, cerca de 140 mil morrem todos os anos na UE em decorrência da poluição causada pelo óxido de nitrogênio.

Portanto são definidos valores-limite para o gás, com o fim de proteger a população. Desde 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda um máximo de dez microgramas de NO2 por metro cúbico de ar. Anteriormente, o limite era de 40 microgramas de NO, sendo a conformidade com ele obrigatória na UE desde 2010.

Todos os países-membros devem monitorar a qualidade do ar onde a poluição é particularmente alta e informar esses dados às autoridades do bloco. Se o valor-limite de 40 microgramas de NO2 for excedido, eles também são obrigados a tomar medidas para reduzir as emissões e proteger seus cidadãos. De acordo com a resolução do Parlamento Europeu, a partir de 2030 o valor-limite na UE deve ser reduzido para 20 microgramas de NO2 por metro cúbico.

"Autoridades pensam que estão sempre certas"

Questionada pela DW, a assessoria de imprensa da Comissão Europeia explicou estar ciente de que as organizações ambientais haviam encontrado em alguns países concentrações de NO2 no ar mais altas do que as informadas oficialmente.

O órgão ressaltou que está trabalhando, junto com a Agência Europeia do Meio Ambiente, "em diálogo com as autoridades nacionais" na instalação obrigatória de dispositivos oficiais de medição nos locais com as "maiores concentrações de poluentes atmosféricos" e também no esclarecimento das "razões para discrepâncias".

Entretanto, somente os Estados-membros da UE são responsáveis pelos resultados corretos das medições, pois "têm os meios adequados para lidar com o problema, se as preocupações se mostrarem justificadas".

Segundo Hlebarov, da Za Zemiata, na Bulgária as autoridades ainda não reagiram publicamente às revelações feitas por sua organização. "Em alguns casos em que os confrontamos com nossas medições, eles rebateram que elas não são adequadas como valores de referência."

"As autoridades parecem pensar que estão sempre certas, mas muitas vezes não é o caso. Elas precisam ser mais abertas, porém se não houver vontade política para tal, a única coisa que podemos fazer é aumentar a pressão."

Processos contra empresas automobilísticas

Atualmente estão em andamento na Alemanha processos judiciais pela rápida adaptação de veículos a diesel, a fim de reduzir as emissões de poluentes.

"Os carros a diesel manipulados têm que ser novamente equipados, às custas dos fabricantes, e não podem ser simplesmente enviados para o exterior", afirma Jürgen Resch, diretor administrativo da entidade ambientalista alemã Deutsche Umwelthilfe (DUH)., que vem há anos fazendo campanha pelo ar limpo na Europa, e também participou do estudo atual.

A ONG já entrou com várias ações judiciais para obrigar as empresas retificarem carros a diesel. No início de 2024, ela ganhou um processo no tribunal administrativo da cidade de Schleswig. O tribunal declarou ilegal a circulação de 62 modelos a diesel das montadoras Volkswagen, Audi e Seat devido à filtragem inadequada dos gases de escape.

No entanto, o grupo Volkswagen e o Departamento Federal de Veículos Motorizados (KBA), responsável pelos licenciamentos, recorreram da sentença. Espera-se um longo processo, que pode também acarretar a atualização de milhões de veículos a diesel de outros fabricantes na UE, demore ainda mais.

Autor: Gero Rueter, Keno Verseck

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