Era abril de 2022. Maria "Masha" Moskaleva estava numa aula de artes em sua escola, na pequena cidade de Yefremov, três horas a oeste de Moscou. A tarefa da turma era fazer desenhos em apoio às tropas russas na Ucrânia. Então com 12 anos, ela desenhou duas bandeiras: uma russa com a frase "Não à guerra", e uma ucraniana que dizia "Glória à Ucrânia". No meio, uma mulher e uma criança na mira de mísseis russos.
Em março de 2023, seu pai, Alexei Moskalyov, 56 anos, foi condenado a dois anos de prisão por ter "desacreditado" as Forças Armadas russas. A sentença, reduzida para 22 meses após recursos, se baseou em seus comentários críticos ao Exército nas redes sociais, que chegaram ao conhecimento das autoridades russas depois do desenho da filha.
Seu tempo em prisão preventiva foi levado em conta, e Moskalyov completou sua pena nessa terça-feira (15/10). Ele foi recebido do lado de fora da colônia penal pela filha, jornalistas e defensores dos direitos humanos.
Ainda vestido com o uniforme de prisão, ele afirmou ao site russo independente OVD-Info que chegou a passar dois meses numa cela de isolamento punitivo, que descreveu como uma "câmara de tortura".
Além disso, dividiu com outro homem uma cela de dois metros por um, com assoalho podre, extremamente fria e infestada de ratazanas. "Ficávamos de pé por 16 horas todos os dias, porque as camas eram presas à parede, e o banco de metal era tão frio que era impossível sentar nele" disse Moskalyov.
Fugas, interrogatórios e prisão domiciliar
Antes de ser preso, Moskalev e a filha passaram por perseguições e interrogatórios. Um dia depois do desenho de Masha, a direção da escola intimou Moskalev. Ambos foram interrogados pela polícia e os serviços de assistência juvenil. Pai solteiro, ele foi acusado de não ter educado bem a filha.
As autoridades alegaram ter encontrado comentários críticos ao Exército em suas redes sociais, e ele foi multado por "desacreditar" a instituição. O Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB), sucessor da KGB, também os interrogou. Dessle dia em diante, Masha se recusou a ir à escola, por medo.
No fim de 2022, a polícia apareceu à porta e revistou sua casa. Depois disso, pai e filha decidiram fugir e se esconderam numa cidade vizinha. A polícia os descobriu em 1º de março de 2023. Moskalev foi colocado em prisão domiciliar e acusado de "desacreditar os militares" repetidamente. Masha foi retirada dos cuidados do pai e colocada num lar para crianças, e depois foi entregue à mãe, com quem não convivia há muitos anos.
Após deliberar por apenas um dia, um tribunal russo determinou a sentença. O veredito foi anunciado no dia seguinte, sem a presença do réu. Segundo o tribunal, Moskalev havia fugido na noite anterior e era considerado foragido da Justiça. Dias depois ele foi preso em Minsk, capital de Belarus.
Repressão lembra regime soviético
Desde que enviou tropas para a Ucrânia em fevereiro de 2022, a Rússia tem reprimido duramente as críticas aos militares e à "operação militar especial" na Ucrânia.
Milhares de russos foram presos e encarcerados por violar leis de censura rígidas que proíbem críticas ao Exército desde o início do conflito na Ucrânia, uma repressão que lembra o período soviético, segundo grupos de direitos humanos.
Segundo Moskalyov, antes de ser libertado agentes do Serviço Federal de Segurança interrogaram outros presos de sua unidade e sugeriram que estavam procurando motivos para apresentar novas acusações contra ele. Agora sua intenção é retornar com a filha à cidade natal, Yefremov, onde "viverão juntos novamente", afirmou emocionado.
sf/av (AP, AFP, Reuters)