Entenda os riscos por trás da retórica incendiária entre as Coreias

Países colocam seus militares em estado de alerta. Analistas dizem que instabilidade em Pyongyang torna mais complicado prever as futuras ações de um regime que se encontra encorajado pela nova aliança com Moscou.

Por Deutsche Welle

Os eventos potencialmente incendiários na Península da Coreia nos últimos dias vêm aumentando as preocupações na região.

Ao mesmo tempo, a retórica belicista atinge novos patamares. Tanto a Coreia do Norte quanto a Coreia do Sul colocaram seus militares em estado elevado de alerta.

"Não há mudanças perceptíveis na vida cotidiana aqui em Seul, mas temos que estar cientes da situação que está emergindo na península", disse Kim Sang-woo, ex-membro do partido esquerdista Congresso Sul-Coreano para Novas Políticas e atual integrante do conselho da Fundação Kim Dae-jung para a Paz.

"Na verdade, não acredito que a Coreia do Norte queira ou esteja pronta para uma guerra", afirmou à DW, acrescentando que Pyongyang estaria praticando uma tática de provocação. "No entanto, temo que um choque acidental possa levar a outras consequências imprevisíveis e possa facilmente se transformar em um grande conflito."

Kim acredita que ambos os lados precisam tentar aliviar as tensões, mas ressalta que isso parece não estar acontecendo.

Em 11 de outubro, a Coreia do Norte acusou os militares do país vizinho de enviar drones sobre Pyongyang em três ocasiões e espalhar folhetos de propaganda.

Autoridades de Defesa em Seul negaram o envio de drones, mas se recusaram a dizer de onde eles poderiam ter partido, o que gerou especulações de que eles podem ter sido operados por grupos de dissidentes e desertores.

Ordens para abater drones

Impassível, o líder norte-coreano Kim Jong-un convocou uma reunião de suas lideranças militares. As unidades antiaéreas na fronteira teriam recebido ordens para abater quaisquer drones que fossem detectados.

A irmã do ditador, Kim Yo-jong, descreveu a Coreia do Sul como um "vira-latas" e alertou em uma declaração que "os provocadores terão que pagar um preço alto."

Seul reagiu colocando suas próprias unidades em alerta. O governador de uma província na fronteira identificou uma série de zonas de perigo que poderiam ser alvos de ataques de artilharia dos norte-coreanos.

O Ministério da Defesa em Seul alertou que Pyongyang testemunhará o "fim de seu regime" se algum cidadão sul-coreano acabar sendo ferido em qualquer confronto.

Nesta terça-feira, a Coreia do Norte escalou as tensões ao explodir estradas que levam à Zona Desmilitarizada (DMZ) na fronteira entre as duas nações, o que Seul avaliou como um gesto simbólico projetado para sublinhar o abismo que separa os dois países.

O povo sul-coreano vive há gerações à sombra de um vizinho agressivo, imprevisível e com armas nucleares. No momento, não há sinais aparentes de alarme nas ruas de Seul ou Busan.

Analistas, porém, apontam uma série de mudanças fundamentais recentemente adotadas na Coreia do Norte que parecem ter alterado sua dinâmica interna e externa, o que torna mais complicado prever suas ações futuras

O regime norte-coreano foi reforçado por uma nova aliança militar com a Rússia, o que pode estar dando coragem a Pyongyang. No entanto, está cada vez mais claro que a economia norte-coreana está enfraquecida e que as pessoas comuns lutam para sobreviver.

Kim pretende "reunir o povo em torno de si"

"A Coreia do Norte atravessa dificuldades internas, e Kim está tentando reunir o povo em torno de si", disse Kim Sang-woo. "A situação econômica é tão ruim que está causando sérias tensões. Assim, ao dizer ao seu povo que a Coreia do Sul e os Estados Unidos pretendem destruir o seu país, Kim Jong-un espera ganhar a lealdade da população".

Junto com as dificuldades diárias que as pessoas comuns têm de enfrentar, mais e mais norte-coreanos tomam conhecimento sobre as vidas confortáveis ​​das pessoas na Coreia do Sul por meio de pen drives que são contrabandeados pela fronteira.

Pyongyang enxerga nisso uma ameaça ao seu regime e está tentando eliminar essa prática com punições cada vez mais draconianas.

"As gerações mais jovens têm menos fé em Kim, o que deixa instável a situação", disse Lim Eun-jung, professora de estudos internacionais na Universidade Nacional de Kongju. Ela acredita que a Coreia do Norte "sente fadiga" em relação à propaganda do regime.

"Fazer ameaças à Coreia do Sul é mais barato do que disparar mais mísseis ou realizar outro teste nuclear, mas também é irônico que eles reclamem de drones lançando propaganda, porque a Coreia do Norte enviou milhares de balões carregando lixo para a Coreia do Sul nos últimos meses", afirmou à DW.

Retórica afiada, posição enfraquecida

O governo sul-coreano estima que mais de 6 mil balões norte-coreanos carregando lixo cruzaram a fronteira nos últimos quatro meses, sendo que alguns causaram danos a edifícios e veículos e outros provocaram incêndios.

"A Rússia vem apoiando Pyongyang e recentemente criticou Seul por enviar um drone para a Coreia do Norte. Moscou, porém, nada disse sobre os balões que invadem nosso espaço aéreo", observou Lim.

Ela disse que Kim Jong-un pode ter a sensação der que seu regime estaria protegido por sua aliança com o presidente russo, Vladimir Putin, mas esse pacto estaria em um "período de lua de mel" que deve fracassar rapidamente quando a Coreia do Norte não tiver mais nada do que a Rússia precisa.

Kim Sang-woo acredita fortemente que, apesar de toda a grandiloquência, a Coreia do Norte não sairia vencedora de uma guerra contra a Coreia do Sul e seus aliados. "Não é que eles não estariam dispostos a ir para a guerra, mas sim, que eles não são capazes, porque suas forças convencionais não sobreviveriam", afirmou.

Ele concorda que as armas nucleares continuam sendo o "coringa" do regime norte-coreano, mas diz duvidar que o próprio Kim ou seus generais estariam dispostos a utilizá-las, sabendo que as consequências significariam o fim do país.

Autor: Julian Ryall

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