Os pontos do depoimento de hacker à CPI dos atos golpistas

Walter Delgatti Neto disse ter sido procurado pelo entorno de Bolsonaro para forjar provas de vulnerabilidade das urnas e assumir autoria de grampo contra Moraes. Ele afirmou ainda que ex-presidente prometeu indultá-lo.

Por Deutsche Welle

O depoimento do hacker Walter Delgatti Neto à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas nesta quinta-feira (17/08) trouxe novas acusações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e membros de seu entorno em relação a tentativas para desacreditar o processo eleitoral.

Segundo o hacker, Bolsonaro e pessoas próximas a ele estavam por trás de um esquema para tentar forjar a fragilidade do sistema das urnas eletrônicas. O ex-presidente teria ainda lhe prometido um indulto caso ele se tornasse alvo da Justiça por essas ações.

Delgatti tornou-se conhecido em 2019, depois de vazar mensagens de telefones celulares de várias autoridades ligadas à operação Lava Jato na série de reportagens do site Intercept Brasil que ficou conhecida como Vaza Jato, que depois se tornou alvo de investigação da Polícia Federal (PF) na operação Spoofing.

Ele foi convocado a comparecer à CPI após uma operação da Polícia Federal (PF) que teve como um dos alvos a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP), que teria servido de ponto de contato entre o presidente e o hacker.

Os agentes da PF apuram a inserção de alvarás de soltura e mandados de prisão falsos no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Delgatti está preso desde 2 de agosto pela invasão aos sistemas do CNJ.

Pedido para criar código-fonte falso

À CPI, Delgatti ter sido aconselhado em uma reunião com assessores de campanha de Bolsonaro a criar um código-fonte falso no intuito de falsificar provas de que a urna eletrônica seria vulnerável e passível de fraude. Segundo disse, a intenção era anular as eleições e convocar uma nova votação.

A ideia teria sido apresentada pelo marqueteiro Duda Lima em uma reunião com Carla Zambelli, o presidente do PL Valdemar Costa Neto e outros, segundo ele. "A segunda ideia era no dia 7 de setembro, eles pegarem uma urna emprestada da OAB, acredito. E que eu colocasse um aplicativo meu lá e mostrasse à população que é possível apertar um voto e sair outro", disse o hacker.

"Eles queriam que eu fizesse um código-fonte meu, não o oficial do TSE. E nesse código-fonte, eu inserisse essas linhas, que eles chamam de 'código malicioso', porque tem como finalidade enganar, colocar dúvidas na eleição."

Delgatti afirmou que teria agido em razão de uma suposta ordem do então presidente, e que estava ciente que atuava de maneira ilegal. "Sim, eu sabia. Lembrando que era ordem de um presidente da República."

Ele disse que relatou o ocorrido à revista Veja porque estava com medo, justamente por saber que cometia um crime, e destacou que Bolsonaro teria lhe assegurado um "indulto em uma eventual investigação, uma eventual denúncia, ou processo ou condenação".

Perdão presidencial e emprego

Delgatti afirmou que se reuniu com Bolsonaro no Palácio da Alvorada antes das eleições de 2022. Na ocasião, o ex-presidente teria lhe garantido a concessão de um indulto caso fosse preso ou condenado por ações sobre urnas eletrônicas.

"A ideia ali era que eu receberia um indulto do presidente. Ele havia concedido um indulto a um deputado federal. E como eu estava com o processo da Spoofing à época, e com as cautelares que me proibiam de acessar a internet e trabalhar, eu visava a esse indulto. E foi oferecido no dia", afirmou.

O hacker também relatou que Zambelli teria prometido um emprego na campanha à reeleição de Bolsonaro, mas que isso acabou não ocorrendo. Ele ficou somente encarregado de cuidar das redes sociais da deputada.

Delgatti disse que se encontrou por acaso com Zambelli na cidade de Ribeirão Preto. Os dois teriam trocado contatos e ela teria lhe oferecido trabalho. "Ela disse que havia uma oportunidade de emprego para mim, no caso, seria na campanha do Jair Bolsonaro."

Relatório do Ministério da Defesa

Delgatti disse ainda ter orientado os técnicos do Ministério da Defesa que elaboraram um relatório oficial sobre as urnas eletrônicas. O documento, entregue ao TSE em novembro de 2022, não revelava nenhuma fraude, mas pedia "ajustes" no sistema eleitoral que já haviam sido rejeitados tecnicamente por órgãos de fiscalização.

O relatório do Ministério da Defesa, que tentava criar dúvidas sobre a isenção das urnas eletrônicas, ia na contramão de todas as entidades fiscalizadoras do processo eleitoral.

"Eu posso dizer hoje que, de forma integral, aquele relatório tem exatamente o que eu disse, não tem nada menos e nada mais", assegurou Delgatti.

Ações contra Alexandre de Moraes

O hacker relatou também ter ouvido durante uma ligação com Bolsonaro que pessoas associadas ao então presidente teriam conseguido grampear o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que à época também ocupava a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Bolsonaro teria sugerido que Delgatti se responsabilizasse pela escuta telefônica. "Segundo ele, eles haviam conseguido um grampo, que era tão esperado à época, do ministro Alexandre de Moraes. Que teria conversas comprometedoras do ministro, e ele precisava que eu assumisse a autoria desse grampo", afirmou.

De acordo com o hacker, a ideia seria evitar questionamentos da esquerda, uma vez que Delgatti teria prestígio entre os esquerdistas em razão de sua atuação na Vaza Jato.

Delgatti disse que Zambelli teria lhe entregado o texto de um falso mandado de prisão contra o ministro Alexandre de Moraes, que foi inserido pelo hacker no Banco Nacional de Monitoramento de Prisões do CNJ e descoberto em 5 de janeiro.

"A deputada me enviou um texto pronto, eu corrigi alguns erros e contextualizei, e publiquei a decisão. Ela me enviou, quem fez eu não sei", declarou.

Hacker silencia frente à oposição

Depois de responder às perguntas de parlamentares governistas na primeira parte de seu depoimento, Delgatti exerceu o direto ao silêncio ao ser questionado por membros da oposição, como os filhos do ex-presidente Flávio e Eduardo Bolsonaro.

Os oposicionistas tentaram desacreditar o depoimento do hacker ao expor vídeos com declarações anteriores do depoente, nas quais ele se diz de esquerda e defende o voto em Lula. Alguns chegaram a sugerir que ele teria se "infiltrado" no entorno de Bolsonaro para tenta incriminar o ex-presidente e a deputada Carla Zambelli.

Após um pedido do advogado de Delgatti, o ministro Edson Fachin, do STF, concedeu ao hacker nesta quarta-feira o direito a recorrer ao silêncio durante a sessão da CPMI.

Bolsonaro admite encontro com hacker

Em entrevista à emissora Jovem Pan, o ex-presidente Bolsonaro afirmou que Delgatti estaria "fantasiando" em seu relato à CPMI, mas admitiu que o recebeu no Palácio da Alvorada, embora isso tenha ocorrido somente uma vez. "Não falei com ele no telefone em momento algum", disse.

Na sessão da CPMI, Flávio Bolsonaro disse que seu pai não pediu que houvesse invasão de urna ou modificação do resultado das eleições, "até porque ele [Delgatti] próprio falou que não tem capacidade de fazer isso."

Flávio disse que as conversas de Bolsonaro e seus auxiliares com o hacker foram apenas uma "sondagem", para que ele pudesse demonstrar a vulnerabilidade da urnas eletrônicas.

rc/bl/rk (ots)

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