A medicina ainda não conseguiu concluir de forma clara o que leva mulheres a terem duas vezes mais chances de ter depressões e outros transtornos de humor do que homens. A baixa produção de estudos chama a atenção inclusive da OMS (Organização Mundial da Saúde) em seus comunicados mais recentes sobre o tema.
Especialistas em saúde mental acreditam que uma combinação de fatores biológicos e sociais estejam por trás dos transtornos de humor. Para as mulheres, pesam o estresse das jornadas acumuladas, a violência doméstica e outras pressões de gênero, como as estéticas. Outro fator levantado é a predisposição maior delas em buscar ajuda médica. Entre a influência biológica, estudos mostram tendências genéticas e as variações hormonais em períodos menstruais, gestacionais e da menopausa.
“O que as pesquisas sugerem é que algumas mulheres são mais vulneráveis a essas oscilações de níveis hormonais, de estrogênio e progesterona, por exemplo. Não é que os níveis sejam alterados. E sim as oscilações que ocorrem, que são fisiológicas do ciclo reprodutivo feminino, tornam as mulheres mais vulneráveis a terem quadros do ponto de vista psiquiátrico como depressão e transtornos de ansiedade”, explica Joel Rennó, que coordenador da Comissão de Saúde Mental da Mulher da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e diretor do Programa Saúde Mental da Mulher do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP.
Ele afirma que a questão biológica não é determinante, mas que as interferências sociais, essas sim, podem funcionar como gatilho para desencadear os transtornos. “O estresse vai minando a resistência do nosso organismo, podendo, no médio prazo, levar a consequências como depressão e transtornos de ansiedade. Tudo isso precisa ser muito bem avaliado no contexto de vida da mulher. Essas mudanças de papéis, com elas indo para o mercado corporativo, que é excelente, acabou custando caro pelas pressões maiores sobre elas.”
A psiquiatra do Programa de Transtornos do Humor do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP Doris Moreno diz que causas genéticas são principal fator de transtornos como a depressão. “A gente fala de vulnerabilidade biológica, que é condição necessária porém não suficiente para a pessoa em dado momento desenvolver a doença. Existem fatores de proteção, como ter suporte familiar, vida regrada e até características da personalidade do indivíduo.” Ela concorda que fatores estressantes, como a sobrecarga, podem desencadear e agravar as doenças mentais nesses indivíduos.
A médica faz um paralelo com a vida de nossos antepassados para mostrar que a carga de trabalho sempre foi grande, mas que as características das funções em nossa geração tem levado mais pessoas a adoecer mentalmente. “O que sua bisavó fazia? Trabalhava o dia inteiro sem parar e cuidava de 10 crianças. Mas era um trabalho diferente, era braçal. E trabalho braçal, físico, manual, faz bem. O desafio hoje em dia é mais intelectual.”
A diretora da Divisão de Saúde Mental da Coordenadoria de Atenção Básica na cidade de São Paulo, Claudia Ruggiero Longhi, lembra que o atual momento mexeu ainda mais com a mente das mulheres. “A pandemia escancarou a sobrecarga. As mulheres precisaram serem aquilo que elas são sempre, que é a pessoa que cuida da casa, organiza a rotina das pessoas e trabalha, mas agora tudo dentro do mesmo espaço. E dividir essas tarefas é mais ou menos como equilibrar vários pratos.” Claudia conta que mais pessoas e em situação ainda mais grave têm buscado atendimento no sistema público de saúde. “As mulheres foram levadas ao limite. A demanda por atendimento cresceu muito nos nossos serviços. O que a gente percebe também é que são pacientes cada vez mais jovens.”
Outro ponto levantado pela diretora de Saúde Mental do município é a violência física e verbal dentro de casa. “Mulheres estão mais expostas a essas situações. Quando a violência é recorrente e se perpetua, pode levar a um quadro depressivo grave.”
Este texto foi originalmente publicado no METRO JORNAL