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Os estouros dos pagers no Líbano e o direito internacional

Como os aparelhos foram preparados para explodir nas mãos de membros do Hezbollah? E como a ação pode ser avaliada sob a perspectiva das leis internacionais?

Por Deutsche Welle

Os estouros dos pagers no Líbano e o direito internacional
REUTERS/Mohamed Azakir

Pouco se sabe ao certo após as explosões de pagers e walkie-talkies no Líbano nesta semana. O que é certo até agora é que pelo menos 37 pessoas foram mortas e mais de 3 mil ficaram feridas, e que a guerra entre Israel e as milícias no Líbano está aumentando mais uma vez.

Pagers são dispositivos de rádio usados pelos combatentes do grupo xiita Hezbollah, classificado como organização terrorista pela UE, pelos EUA e por outros países.

A organização usa walkie-talkies e pagers porque, ao contrário dos telefones celulares, eles não podem ser localizados. Em Taiwan, o escritório do promotor público iniciou uma investigação sobre a empresa que fabrica esses dispositivos. O jornal The New York Times havia informado anteriormente que o serviço secreto israelense havia colocado explosivos numa encomenda de pagers feita na empresa pelo Hezbollah.

Como os explosivos foram parar nos rádios?

Rádios usados como armas em uma guerra? Como esse tipo de guerra pode ser avaliado à luz do direito internacional? Até o momento, o governo de Israel não comentou sobre as explosões nem reivindicou a responsabilidade pelos ataques.

As notícias e relatos são confusos. Diz-se, por exemplo, que uma empresa na Bulgária também esteve envolvida na fabricação dos rádios que explodiram no Líbano.

O especialista em direito internacional da Universidade Livre de Berlim Helmut Aust enfatiza ser difícil avaliar os eventos recentes sob a perspectiva do direito internacional. "No direito internacional, primeiro é preciso determinar que tipo de conflito é esse. Trata-se de um conflito armado internacional ou não internacional? E isso não está totalmente claro aqui, apesar da natureza transfronteiriça do conflito. Porque um conflito armado internacional é, na verdade, um conflito entre as forças armadas de dois estados." Ele destaca que, portanto, é difícil falar sobre isso nesse conflito. O Hezbollah, de qualquer forma, não é a uma força armada do Líbano.

Israel insiste no direito à autodefesa

Uma coisa é certa: Israel vem reivindicando o direito à autodefesa desde 7 de outubro do ano passado. Naquela época, o grupo terrorista islâmico Hamas lançou um ataque maciço contra o país a partir da Faixa de Gaza. Mas será que esse direito à autodefesa também se aplica a supostos ataques ao Hezbollah no Líbano, que é apoiado pelo Irã?

"O direito à autodefesa no direito internacional pressupõe que você se defenda de um ataque armado. Que ainda está em andamento. É claro que o Hezbollah está disparando foguetes contra o território israelense. Mas também há operações militares israelenses no Líbano há muito tempo. De modo geral, é difícil encontrar o ponto de partida do conflito atual. Muito permanece obscuro na névoa da guerra", diz Aust.

Mas, de qualquer forma, enfatiza o especialista, a lei humanitária internacional proíbe os chamados "ataques indiscriminados".

"Eles consistem na escolha de métodos ou meios de combate que não podem ser direcionados contra um alvo militar. Ou cujo efeito não possa ser limitado. Os ataques também são proibidos se for de se esperar que também haja perdas e ferimentos entre a população civil que sejam desproporcionais à vantagem militar esperada."

"Combatentes podem ser atacados"

Esse pode muito bem ser o caso dos pagers e walkie-talkies. Por exemplo, há relatos de que crianças também foram vítimas das explosões. No entanto, o advogado Stefan Talmon, de Bonn, acredita que um importante princípio do direito internacional é que os ataques militares devem ser dirigidos contra combatentes. E da forma mais precisa possível.

"Os combatentes do Hezbollah continuam sendo alvos militares legítimos fora do campo de batalha, mesmo que se retirem para seus quartéis ou alojamentos", disse Talmon ao jornal alemão Süddeutsche Zeitung.

Mesmo que eles não estejam na linha de frente, mas ocupados em segundo plano com o planejamento, por exemplo, Israel tem permissão para atacá-los. Marco Sassoli, da Universidade de Genebra, tem uma opinião semelhante. "Do ponto de vista da lei humanitária internacional, a questão principal é se os mortos eram alvos legítimos. Isso seria tanto combatentes em um conflito armado quanto um grupo armado. Qualquer pessoa que tenha uma função de combate permanente pode ser atacada. E acredito que Israel pode alegar que está em um conflito armado com o Hezbollah", disse ele à emissora suíça SRF.

Convenção sobre Armas da ONU

Helmut Aust, de Berlim, menciona então uma disposição da lei internacional que também desempenha um papel na avaliação dos ataques. "Há regras especiais na lei internacional precisamente para essas armas. Isso resulta do Protocolo 2 da Convenção sobre Armas da ONU de 1996, à qual Israel também está vinculado. O protocolo contém uma cláusula que proíbe o uso de armadilhas que consistem em objetos móveis aparentemente inofensivos que são especificamente projetados e construídos para conter explosivos. Os pagers e rádios podem se enquadrar nessa definição."

Respeito a leis internacionais

De qualquer forma, Aust também sabe que é improvável que Israel, o Hamas ou o Hezbollah permitam que os avisos sobre violações do direito internacional os impeçam de adotar formas de guerra cada vez mais novas e drásticas. No entanto, o acadêmico insiste na importância das normas internacionais, mesmo que elas sejam repetida e grosseiramente desrespeitadas em muitos casos individuais.

"Não se pode esperar que a lei internacional tenha poderes mágicos. Se as ações de Israel forem definidas como contrárias à lei internacional, isso certamente não fará com que o governo mude seu comportamento. Mas a adesão aos padrões legais continua sendo um valor em si", ressalta. "Se isso fosse abandonado por completo, haveria ainda menos oportunidades de se ter um critério comparativamente objetivo para a ação do Estado na guerra".

Aust acredita que os parceiros internacionais, por exemplo, poderiam usar referências ao direito internacional para exercer pressão constante sobre as partes em guerra para que moderem suas ações.

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