Onde o dólar vai parar?

Cotação da moeda americana bateu recorde nominal em relação ao real. Cenário pode impactar a Selic, taxa básica de juros, frear crescimento e aumentar a inflação no país.

Por Deutsche Welle

O dólar tomou conta do noticiário econômico no Brasil. Não à toa. A moeda americana atingiu o maior valor nominal da história em relação ao real nesta semana – desconsiderada a inflação – e chegou a beirar os R$ 6,30. Segundo especialistas, essa valorização repentina do dólar em relação ao real poderá frear o crescimento econômico do país e aumentar a inflação, sentida no bolso da população.

Mesmo que a economia cresça 3,5% neste ano, como projetado pelo Banco Central (BC), e a taxa de desemprego esteja em 6,2%, menor patamar da história, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a situação preocupa os brasileiros. A alta da divisa norte-americana fez com que o interesse nas buscas pelo "preço do dólar” aumentassem 300% na comparação dos últimos 30 dias, segundo o Google Trends.

Por que o dólar está em alta

A preocupação faz sentido. A alta do dólar ante o real é causada pela junção de alguns fatores, como a eleição de Donald Trump nos EUA, principalmente, e a desconfiança de agentes do mercado financeiro quanto à gestão das contas públicas no Brasil.

A chegada de Trump à Casa Branca levou os agentes a especularem que o novo governo vai gastar mais e taxar importações de países como a China, por exemplo. A medida deve aumentar a inflação nos EUA que, para combater esse aumento dos preços, poderá manter os juros num patamar mais elevado.

Nesse cenário, investidores ganham mais com os títulos públicos americanos. Isso alimenta um fenômeno chamado "voo para a qualidade", em que o capital alocado em economias emergentes, como o Brasil, volta em partes aos EUA, onde é mais seguro. Por aqui, a fuga de capital faz com que o dólar fique pressionado e se valorize ante o real.

"O detalhe fundamental aqui é que mais inflação nos EUA fará com que o Federal Reserve, o banco central americano, acabe reduzindo menos os juros que já estavam programados para continuar sendo reduzidos. Talvez faça menos reduções ao longo de 2025, ou talvez até, no pior dos cenários, possa ter que subir juros em 2025", explica Haroldo da Silva, economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia paulista (Corecon-SP).

"Sem dúvida nenhuma, a alta de juros nos Estados Unidos leva o mundo todo a apostar mais favoravelmente ao dólar e, claro, as [outras] moedas, de uma forma geral, acabam perdendo espaço", afirma ele.

Além disso, o Brasil também enfrenta um quadro de preocupação nas contas públicas, com um déficit primário de R$ 105 bilhões no acumulado deste ano até setembro.

O déficit primário representa o resultado das contas do setor público (despesas menos receitas), desconsiderando o pagamento dos juros da dívida pública.

O governo Lula tentou apresentar um programa de cortes de gastos na casa de R$ 70 bilhões, mas investidores o encararam com descrença e buscaram o dólar como uma fonte segura em meio às dúvidas sobre a situação fiscal brasileira.

"O governo brasileiro tem dificuldades de fazer ajustes mais profundos nos programas sociais, dado que o custo político disso, sem dúvida nenhuma, é bastante elevado, e a pauta desse governo não é esse tipo de enfrentamento", diz Silva.

"Ataque especulativo"?

Nas redes sociais, o termo "ataque especulativo" circulou como justificativa para a alta do dólar, mas foi dispensado pelo diretor de Política Monetária do BC. "Não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, como se fosse uma coisa só que está coordenada", disse Gabriel Galípolo, que assume a presidência do órgão em janeiro.

Para Haroldo da Silva, o termo não explica sozinho a atual alta do dólar. "Eu não diria que a gente está sofrendo um ataque especulativo necessariamente, mas há pressões do mercado financeiro, com alguns fundos de investimento com enormes recursos, que podem também estar se aproveitando disso para ganhar dinheiro nesse período", afirma.

Já para o economista André Perfeito, o mercado de capitais brasileiro está desfuncional e o mercado reage com exagero. "Por mais que não tenha sido aprovada a integralidade do pacote de cortes pelo Congresso, intuir que nada vai ser feito para conter o déficit primário é um exagero", afirma.

"Seja como for, pouco importa isso nessa altura do campeonato: o mercado entrou em modo fuga para a liquidez de maneira maciça e não há instrumento que acalme os ânimos na caixa de ferramentas do governo. A crise que agora se instalou ganhou dinâmica própria e supera em muito qualquer visão menos pessimista, e mesmo alguém que não acredite que o pior viria não tem como apostar no sentido contrário", avalia.

Impactos: inflação e desaceleração econômica

A chegada do dólar a um patamar tão alto também pode acelerar a inflação e desacelerar o crescimento econômico do país, segundo especialistas.

O Brasil importa itens de primeira necessidade, como combustíveis, eletrônicos e até mesmo alimentos. Um exemplo é o pão francês, que é feito com trigo, matéria prima que é importada em grande parte pelo Brasil, ou mesmo a gasolina, que não é produzida internamente.

"Muitos componentes são dolarizados, em especial o combustível, então [a alta do dólar] acaba impactando tudo. E aí você tem também uma alta de inflação que leva a uma espiral de preços em alta. Muitas vezes, a inflação tem um cunho de percepção. Se as pessoas já percebem que a inflação vai subir, naturalmente, já aumentam os preços dos produtos, forçando ainda mais a alta", diz Virginia Prestes, professora de finanças da FAAP.

Onde o dólar vai parar?

Mesmo assim, Prestes ressalta que os agentes do mercado atualmente não trabalham com a expectativa de o dólar chegar à casa dos R$ 7. "Não é o que o mercado espera, a gente vê pelo próprio Boletim Focus [relatório do BC que resume as expectativas de mercado para alguns indicadores da economia]", afirma.

"Mas, se as coisas continuarem como estão, e realmente não houver uma mudança de fundamentos, com certeza não vão ser leilões de venda de dólar que vão segurar [o câmbio]", acrescenta, aludindo à venda de dólares que o BC fez nos últimos dias para tentar conter a disparada no dólar.

Para controlar o câmbio e, consequentemente, da inflação, o BC deverá aumentar ainda mais a taxa básica de juros (Selic), que deverá sair dos atuais 12,25% ao ano e chegar a 14% ao ano, segundo estimativas do Boletim Focus.

A Selic baliza financiamentos básicos, como os da compra de um carro, um eletrodoméstico ou uma casa. A elevação da taxa é utilizada como forma de esfriar o crescimento da economia quando a inflação sobe para além da meta. Afinal, com juros mais altos, o consumo diminui. Por isso, uma Selic mais alta faz com que o país tenha mais dificuldade de crescer.

Para o economista André Perfeito, a alta de juros pode ajudar a agravar o desequilíbrio nas contas públicas, dado que uma desaceleração do PIB também derrubaria a arrecadação.

"O problema não é o dólar, porque o Brasil tem reserva e tem saldo comercial positivo. O problema é que, como o mercado exigiu alta de juros para tentar apaziguar [o problema] fiscal, espera-se que o governo faça um ajuste primário. Mas é um ajuste nominal, ou seja: quanto mais sobe a taxa de juros, mais se paga juros, que piora a relação da dívida e PIB. Se o Brasil desacelera, isso vai acabar diminuindo a arrecadação, que piora o fiscal", argumenta.

"Minha esperança é que a economia embalada pela demanda e massa salarial em alta tenha quantidade de movimento suficiente para subir a ladeira da curva de juros que está mais inclinada. Caso contrário, se o carro parar e começar a ir para trás, vai dar um trabalho danado, afinal todo mundo vai ter que sair do carro e empurrar este mesmo carro ladeira acima. Ladeira essa que está bem mais inclinada", completa.

Autor: Vinicius Pereira

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