No protesto semanal que ocorre em Jerusalém, Amos Cividalli distribui pequenos pedaços de fita adesiva com o número 218 impresso, representando a quantidade de dias em que os cerca de 128 reféns seguem sob poder do grupo terrorista Hamas e outros grupos radicais islâmicos na Faixa de Gaza, desde os ataques terroristas em solo israelense, em 7 de outubro do ano passado.
"Não tenho muita confiança no governo; tememos que não estejam fazendo o suficiente para trazê-los de volta para casa", disse Cividalli, que costuma frequentar os protestos. Assim como ele, milhares de israelenses saíram às ruas em todo o país na noite de sábado para exigir um acordo para a libertação dos reféns e novas eleições no país.
O clima era sombrio no protesto do último fim de semana, pouco antes do primeiro Dia da Memória para homenagear os civis e soldados mortos nos ataques terroristas de outubro passado, que deram início à guerra em Gaza.
Desde então, mais de 35 mil palestinos morreram, segundo o Ministério da Saúde administrado pelo Hamas na Faixa de Gaza. Outros cerca de 1,6 mil israelenses morreram – a maioria deles, civis no dia dos ataques – incluindo 620 soldados, de acordo com as Forças de Defesa de Israel (IDF).
Cessar-fogo frustrado
Os protestos em Israel se seguiram a uma semana de frustrações, em meio à falta de esperança e novos desdobramentos.
As conversações indiretas entre Israel e o Hamas no Egito fracassaram após os israelenses iniciarem a ofensiva à cidade de Rafah, no sul de Gaza, e retomarem os bombardeios no norte do enclave palestino. Em resposta, o Hamas e outras organizações lançaram foguetes contra o sul de Israel, sinalizando que ainda estão longe de serem derrotados.
Em meio a isso, os Estados Unidos indicaram um novo e significativo abalo nas relações com seu aliado. O presidente Joe Biden afirmou na semana passada que seu país iria reter um envio de armamentos caso o governo israelense mantivesse seus planos de realizar uma ofensiva de grande porte em Rafah, o que gerou temores de um isolamento internacional ainda maior de Israel.
"Se a América disser 'não lhes daremos bombas caso vocês bombardeiem Rafah', ele [Netanyahu] vai dizer que vamos agir sozinhos, o que é ridículo, não conseguiríamos agir sozinhos", disse Barbara, uma manifestante de Jerusalém que não quis dizer seu sobrenome. "É uma situação muito ruim. A única coisa que podemos tentar é querer mudança e uma eleição".
As pessoas nas manifestações dizem que as esperanças quanto a um avanço nas negociações no Cairo, com os dois lados concordando com um cessar-fogo temporário e a libertação dos reféns, sofreram muitos abalos, e a cada dia que passa aumenta mais a urgência.
Estima-se que 128 reféns israelenses e de outros países ainda estejam nos cativeiros. Alguns deles, porém, não estão mais vivos, segundo afirmam autoridades de Israel.
"O Hamas é o inimigo; eles também mudaram suas posições, também pediram coisas que para Israel são impossíveis de conceder. Falaram sobres [libertar] 33 pessoas, e agora falam em 33, mas com alguns cadáveres. Eles também não são confiáveis. Mas é necessário chegarmos a um acordo com o inimigo, temos que encontrar um meio", afirmou Cividalli.
Assim como outros no protesto, ele quer o fim da guerra, mas diz viver um conflito interno sobre a perspectiva de o Hamas não ser derrotado.
"O Hamas em Gaza é algo muito perigoso para Israel. Sua capacidade de ganhar poder, obter armas e de atacar cidadãos israelenses, assim como o fato de eles verem Israel como um país totalmente ilegítimo, são coisas com as quais não podemos conviver:"
Nas últimas semanas, houve sinais de progressos nas negociações no Cairo. Em 6 de maio, o grupo informou os mediadores do Egito e do Catar que havia chegado a um acordo com Israel para uma trégua.
Contudo, os negociadores israelenses rapidamente rejeitaram a proposta, dizendo que ela não satisfazia suas "exigências fundamentais" ou tampouco os termos que haviam sido acordados. Ainda assim, Israel enviou uma delegação para a continuação das conversas indiretas, que acabaram não progredindo.
O Hamas – classificado como uma organização terrorista pelos Estados Unidos, União Europeia (UE), Alemanha e diversos outros países – acusou Israel de renegar o pacto ao atacar Rafah, para onde mais de um milhão de palestinos desabrigados se deslocaram em busca de alguma forma de refúgio desde o início da guerra.
Em comunicado divulgado na semana passada, o grupo islamista afirmou que a rejeição de Israel ao acordo levou a situação à estaca zero. O maior entrave, aparentemente, seria a exigência do Hamas de um fim permanente na guerra e a retirada total das tropas de Israel da Faixa de Gaza – termos até o momento rejeitados por Israel.
A estratégia de Israel funciona?
O jovem Yair, de 18 anos, vestia juntamente com seus amigos camisetas com a foto de Hersh Goldberg-Polin, um americano de 23 anos que ainda está sendo mantido refém em Gaza. Ele disse não acreditar que a estratégia de "pressão máxima" sobre o Hamas esteja funcionando.
Há poucas semanas, o Hamas divulgou um vídeo de seu amigo gravado no cativeiro, implorando para que o governo o levasse para casa. Foi o primeiro sinal de vida de Goldberg-Polin, que foi gravemente ferido por uma granada e perdeu seu braço ao ser capturado no festival de música Nova, em 7 de outubro.
"Fiquei chocado, comecei a chorar. Mas também fiquei aliviado que ele está vivo", disse Yair. Ele também está revoltado com o governo por não fazer o suficiente para trazer de volta os reféns. "Tinham que trazê-los de volta para ontem", desabafou. "O que eles estão esperando?"
Os manifestantes não estão sós na crença de que o governo deve ampliar os esforços para garantir a libertação segura dos reféns. Contudo, permanece a dúvida quanto ao preço que o país estaria disposto a pagar por um acordo.
Uma pesquisa divulgada em 7 de maio pelo Instituto de Democracia de Israel, revelou que 56% dos israelenses judeus concordam que um acordo para a libertação dos reféns deveria ser a maior prioridade nacional. Por outro lado, 37% disseram que uma ação militar em Rafah deveria ser mais importante.
Há, no entanto, diferenças significativas de acordo com a orientação política de cada pessoa, segundo uma pesquisa divulgada pelo think-tank com sede em Jerusalém. Enquanto a ampla maioria dos simpatizantes da esquerda e do centro consideram um acordo como sendo a maior prioridade, 55% no espectro da direita priorizam a ofensiva em Rafah.
Em especial, entre os religiosos nacionalistas, 83% preferem a ofensiva do que um pacto pela libertação dos reféns.
Governo israelense sob pressão
Entre os manifestantes há uma suspeita de que o governo coloca as considerações políticas à frente dos interesses nacionais. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou repetidas vezes que, com ou sem um acordo, Israel lançará uma ofensiva em Rafah para eliminar quatro batalhões remanescentes do Hamas e vencer a guerra em Gaza.
Na manifestação, no entanto, a maioria não acredita na estratégia de guerra de Netanyahu. "Acho às vezes que alguns na extrema direita não se importam com quantas vidas possam ser perdidas do nosso lado", diz Barbara. "É café pequeno, se comparado ao que estamos fazendo com o outro lado, mas eles ainda acham que a violência é a única resposta."
"Venho para essas manifestações porque o governo não tem um plano para o que virá depois – isso se houver um depois – e, enquanto isso, os reféns obviamente estão morrendo. É algo terrível e nada está sendo feito. O interesse do governo parece ser permanecer no poder."
Autor: Tania Krämer