Quem pensa que as enchentes no Rio Grande do Sul são um fenômeno extraordinário isolado se engana. Há poucos dias uma forte chuva inundou o estado alemão do Sarre. Em alguns lugares caíram mais de 100 litros de água por metro quadrado em menos de 24 horas.
Em abril, as cidades de Abu Dhabi e Dubai foram atingidas por fortes chuvas. Em Abu Dhabi, as autoridades disseram terem caído 254 litros de água por metro quadrado. Em Dubai foram 142 litros por metro quadrado num único dia (a média anual é de 94,7 litros por metro quadrado), teve granizo e tempestade, e o aeroporto local (um dos mais frequentados do mundo) foi fechado.
Também no mês passado, cheias alagaram grandes áreas da África Oriental. Só no Quênia, tempestades e deslizamentos de terra custaram mais de 200 vidas. Dezenas de milhares de pessoas perderam suas casas, e muito mais de 200 mil ainda sofrem com as consequências: estradas, pontes, redes de energia elétrica e de água destruídas, terras agrícolas inutilizáveis.
No Paquistão e no Afeganistão, ao menos 135 pessoas perderam a vida em cheias e deslizamentos de terra em abril. As tempestades duraram vários dias. No Afeganistão, a situação foi agravada por uma seca que havia deixado o solo duro e incapaz de absorver tanta água.
No Paquistão, os níveis de precipitação já estão acima da média anual histórica. O Paquistão é a quinta nação mais populosa do mundo e uma das mais vulneráveis às mudanças climáticas. Em 2022, um terço do país já estava sofrendo com enchentes sem precedentes. Mais de 33 milhões de pessoas foram afetadas, e 1.700 perderam suas vidas.
Também a China foi atingida por fortes chuvas em abril. Embora essas chuvas não sejam incomuns em algumas regiões do país, este ano elas foram muito mais intensas e ocorreram muito mais cedo do que o normal. O relato do jornal estatal Guangzhou Daily é de "uma enchente que só ocorre a cada 50 anos". Chuvas fortes não são incomuns em algumas regiões da China, mas este ano as chuvas foram muito mais intensas e ocorreram muito mais cedo do que o normal.
De acordo com especialistas, o número de enchentes na China vai aumentar significativamente. Já no verão passado, a capital, Pequim, foi atingida pelas chuvas mais intensas dos últimos 140 anos.
Brasil, Alemanha, Dubai, Quênia, Paquistão, China: os relatos se parecem, e um recorde de precipitações é quebrado após o outro.
Em outros lugares, a seca
O outro lado da moeda são as secas, que também estão aumentando em todo o mundo. Grandes partes do norte e do oeste da China estão passando por ondas de calor excepcionais. Assim como o centro-oeste do Brasil, com seus muitos campos de soja e milho, que está sendo cada vez mais afetado pela seca. No ano passado, até mesmo a Bacia Amazônica, que na verdade é a região mais rica em água do planeta, foi atingida pela pior seca desde o início dos registros. Em alguns lugares, o enorme rio Amazonas mais parecia um riacho.
Na Alemanha, há um déficit de quase 10 bilhões de toneladas de água este ano devido às secas dos últimos anos, de acordo com os cientistas. E a região espanhola da Catalunha chegou a declarar emergência hídrica no início do ano. O consumo de água foi drasticamente limitado: cada cidadão pode consumir no máximo 200 litros por dia. O governo regional da Catalunha afirmou que se trata da pior seca desde que os registros começaram a ser feitos.
Mudanças climáticas já começaram
Por que apresento essa lista, que poderia ter saído de um filme de catástrofe? Para mostrar que não é mais possível fechar os olhos: as mudanças climáticas já começaram e estão ganhando velocidade. Diminuir essa velocidade deve ser a meta de todas as ações políticas e econômicas.
A velocidade com que a Terra está se aquecendo deve ser reduzida, e as consequências da mudança que já está em andamento devem ser identificadas e minimizadas. Os políticos que duvidam disso, os líderes empresariais, os podcasters e outros influenciadores que se recusam a reconhecer esse fato deveriam ser afastados do cargo, substituídos e isolados, pois sua ignorância e oportunismo causam danos consideráveis a todos.
Infelizmente, vivemos numa sociedade muito imediatista, na qual muitas pessoas (incluindo um número alarmante de políticos brasileiros) não conseguem entender questões complexas. A única relação que conseguem estabelecer é entre uma suposta causa e o seu efeito imediato.
Um exemplo emblemático disso é o vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul, que só poderia mesmo pertencer ao partido de extrema direita PL e que quer agora apresentar um projeto de lei para desmatar encostas ao longo de estradas no Rio Grande do Sul, pois afirma que o peso das árvores é o responsável por deslizamentos de terra. Ele também quer abolir leis ambientais "extremas" que impedem o desenvolvimento econômico. As gerações futuras vão amaldiçoar homens como esse, que são parte do problema e não da solução.
A sociedade que não reage sucumbe
Encontrar respostas rápidas para as mudanças climáticas não é uma questão de moral ou orientação política, mas do tamanho dos custos. E não apenas os financeiros, mas sobretudo os sociais. Algumas regiões vão se tornar inabitáveis. Ou porque nelas haverá pouca água, ou porque muita água estará caindo num tempo muito curto, como aconteceu agora no Rio Grande do Sul. Ou porque o mar vai tomar conta de cada vez mais faixas costeiras. Os lugares próximos à costa, onde os preços dos imóveis são altos hoje, não valerão nada no futuro. A humanidade, mais uma vez, vai se pôr em movimento.
A Terra, no fim das contas, não se importa com o que a humanidade faz. A natureza não tem consciência, ela reage. Portanto, nada do que fazemos é para o bem da Terra ou do meio ambiente, como muitos, especialmente políticos de direita ou líderes empresariais, gostam de dizer. O que fazemos é única e exclusivamente para o nosso próprio bem. A Terra sobreviverá à humanidade garantidamente.
Há um estudo do historiador Jared Diamond sobre os motivos pelos quais até mesmo civilizações altamente desenvolvidas sucumbiram ao longo da história. Quase sempre os fatores ambientais desempenharam um papel importante, e Diamond identificou alguns fatores, entre eles a extensão de danos ambientais, a extensão das mudanças climáticas e a maneira como uma sociedade reage a essas mudanças e ameaças. Se ela não reage, por exemplo por motivos religiosos ou de poder político ou porque não quer mudar e prefere se agarrar ao antigo com todas as suas forças, ela acaba por sucumbir.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Autor: Philipp Lichterbeck