A novela entre o bilionário Elon Musk e o ministro Alexandre de Moraes ganha mais um capítulo. Agora, o magistrado do Supremo Tribunal Federal (STF) deu um prazo de 24 horas para que a rede social X (antigo Twitter), pertencente ao magnata sul-africano, cumpra a decisão de nomear um novo representante legal no Brasil, sob pena de suspensão da plataforma no país.
O movimento já era previsto, mas a forma surpreendeu ao longo das últimas horas. Isso porque Moraes intimou o X e Musk via rede social. O perfil oficial do STF respondeu a uma postagem da empresa na própria plataforma, onde anexou a petição e mencionou, por meio de marcação, os perfis @GlobalAffairs e @elonmusk.
Para esta reportagem, o Band.com.br entrevistou o advogado Wilton Gomes, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). O especialista analisou a validade da intimação de Moraes a Musk por rede social. Para ele, a excepcionalidade do caso (falta de representante legal no Brasil e descumprimento de ordens) respaldou a iniciativa de Moraes.
“Se a comunicação se deu de modo inequívoco e sem prejuízos à parte, dando início, sem máculas, ao direito ao contraditório e ampla defesa [resposta do réu citado/intimado], ela pode ser convalidada”, explicou o jurista.
Vale lembrar que, em 2023, uma decisão da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vetou a notificação, por parte de uma empresa credora, a um devedor por meio de redes sociais. Em resumo, para o colegiado, a dificuldade em achar um réu não justifica o uso de tais meios de comunicação em citações.
Reação de Musk a Moraes
Musk reagiu à notificação de Moraes, inclusive com várias postagens provocativas. Para Wilton, essa postura demonstra que o dono do X tomou ciência do ato judicial, o que valida a notificação.
As respostas lançadas por ele [Musk], dando azo a que se constate que, de fato, ‘recebeu’ a intimação e que fora, sim, lida, seriam suficientes para a convalidação da intimação processual (advogado Wilton Gomes)
O advogado ainda explicou que, em uma eventual defesa, Musk pode alegar que não há previsão legal para o modelo de intimação, por meio do X, expedido por Moraes. Também há o precedente do STJ sobre a não citação de réus por meio de redes sociais. Toda essa discussão pode ser levada para uma turma ou plenário do STF.
Entrevista completa
A seguir, leia a entrevista completa do especialista ao Band.com.br!
O STF pode fazer a intimação via rede social, apesar de o STJ ter vetado esse tipo de intimação, em decisão de 2023, quando julgou o processo de uma credora contra um devedor?
Entendemos que sim. Em situações excepcionais, como a do presente caso, julgamos que seria possível. A partir de 2017, quando o Conselho Nacional de Justiça aprovou o uso de ferramentas tecnológicas para a comunicação de atos processuais, a citação e intimação por meio de aplicativos de mensagens (WhatsApp) ou redes sociais (Instagram, Facebook, Twitter, atual X) ganhou muita força e resultou na edição da Resolução CNJ 354/2020.
N âmbito da teoria do processo civil, a regra é a da liberdade das formas. Ainda que os limites a esta liberdade se encontrem na própria lei, a questão há de ser vista sob ângulo positivo, qual seja, da convalidação, desde que o ato tenha alcançado a sua finalidade, sem qualquer prejuízo à parte.
No caso comentado, tudo indica que Elon Musk se deu por intimado a cumprir a ordem que lhe foi encaminhada via X. Caso seja invocada a nulidade da forma como tal intimação se deu, há que se colocar na balança que a supremacia de um suposto vício formal sobre a materialidade em si da comunicação de um ato processual, como aqui se deu, é permitir a inversão de valores processuais caríssimos ao nosso sistema.
Musk descumpriu, repetidas vezes, decisões de Moraes, além de ter encerrado a representação legal do X no Brasil. Isso justifica a intimação do ministro, via rede social, após, teoricamente, esgotadas as tentativas de contato com a direção da empresa?
Sim, sem dúvidas. No modelo tradicional, a intimação do X, em sua sede, poderia levar anos, em razão dos trâmites burocráticos de uma carta rogatória.
Na citação de Moraes, o ministro marca os perfis de “Assuntos Governamentais Globais do X” e do próprio Musk, na postagem em que o perfil oficial do X disse que fechou o escritório no Brasil, sem mencionar a CEO da empresa. Isso é suficiente para emitir a notificação judicial que promete suspender a plataforma, caso as ordens não sejam cumpridas?
Entendemos que sim. O STF procurou, além do perfil pessoal, notificar um perfil institucional, a fim de validar ainda mais a intimação por este novo mecanismo.
Qual é o trâmite tradicional quando o alvo estrangeiro das ações, apesar de fornecer serviços aos brasileiros, se recusa a cumprir ordens, ao mesmo tempo em que não está no Brasil nem tem um representante legal?
O trâmite tradicional e inadequado para os dias atuais seria por meio de carta rogatória para o país sede da plataforma. Este formado além de burocrático é extremamente demorado para os dias atuais. É o encaminhamento à autoridade judiciária estrangeira, por via diplomática, depois de traduzida para língua do país em que há de se praticar o ato.
Mesmo que não houvesse a intimação por rede social, se supusermos que a via tradicional (carta rogatória) fosse enviada, Moraes poderia suspender o X, de forma cautelar, até obter a resposta do país-colaborador ou até as decisões serem cumpridas pelo Musk?
Em tese não. O ideal seria, primeiro, a intimação para o cumprimento imediato de uma decisão judicial. Apenas após o descumprimento, aí, sim, seria possível a suspensão da plataforma.
O fato de Musk ter respondido à notificação do STF no X valida o contato de Moraes, de forma que a Justiça pode alegar que o empresário leu a citação?
Sem dúvidas. Demonstra a ciência do ato judicial e, por consequência, a validação de sua intimação.
Hipoteticamente, o que Musk poderia alegar para anular a notificação e até mesmo uma eventual suspensão do X?
Possivelmente, esse será o caminho a ser adotado pelo corpo jurídico do X. Musk alegaria que não há previsão legal para esta forma/modelo de intimação. Utilizaria, eventualmente, os precedentes do STJ e alegaria, também, que todo ato jurídico deve respeitar a forma estabelecida em lei.
Especialista destaca amparo de Moraes
No dia 21 de agosto, ao Band.com.br, o advogado Luiz Augusto D’Urso, especialista em direito digital, disse que o Judiciário brasileiro pode tirar big techs do ar, em caso de descumprimentos de decisões e falta de um representante legal no país. Os dois cenários vividos pelo X, segundo o entrevistado, embasam uma eventual suspensão da rede social.
A declaração de D’Urso foi dada dias após Musk anunciar o fechamento do escritório da plataforma no país. Na ocasião, ele também destacou dispositivos legais que amparam Moraes, a exemplo do Marco Civil da Internet, ao conferir ao Judiciário a cobrança de dados e bloqueio de perfis, e Código Civil, no âmbito do funcionamento das empresas estrangeiras no Brasil.
“Se ele comprar a briga e ignorar as decisões, não constar um representante legal e deixar as decisões sendo descumpridas, mesmo com multa diária, etc., o Judiciário escalona a punição com medida coercitiva, a ponto de chegar ao momento em que o magistrado determine a suspensão das atividades daquela plataforma, até que se cumpra as decisões”, explicou D’Urso.
Foi o que aconteceu com o Telegram, em 2022, quando o proprietário da plataforma, Pavel Durov, não quis suspender perfis ligados ao blogueiro Allan dos Santos, investigado no inquérito das milícias digitais, nem nomear um representante legal no país. Apesar da resistência, o russo voltou atrás após Moraes determinar a suspensão do aplicativo.