A ligação telefônica deixou Yair Moses confuso e dividido. A mãe dele, Margalit, estava entre os primeiros reféns do grupo terrorista Hamas a serem libertados na Faixa de Gaza, em 24 de novembro, poucas horas após a entrada em vigor do cessar-fogo.
Margalit Moses estava lá desde 7 de outubro, dia do atentado do Hamas a Israel, quando ela foi sequestrada na sua cidade natal, o kibutz Nir Oz.
"É claro que ficamos muito felizes, mas também muito preocupados", diz o filho à DW. Antes da primeira libertação, ninguém de fato sabia se "isso iria realmente acontecer, se as pessoas de fato estariam na lista, como funcionaria a transferência para a Cruz Vermelha, como chegariam ao Egito e como voltariam para Israel, nem quanto tempo esse processo iria durar."
Foi só quando ele viu a mãe, de 78 anos, nos primeiros vídeos, distribuídos pelo Hamas, de reféns sendo entregues à Cruz Vermelha Internacional que Yair acreditou que ela estava mesmo voltando para casa. "No momento em que a vimos acenando do carro e depois correndo para o ônibus, percebemos que ela parecia bem, pelo menos fisicamente. E é claro que ficamos extremamente felizes", diz Moses.
Na aparência física, muitas das 110 pessoas libertadas pareciam ilesas. Embora muitas tivessem perdido peso, a maioria dos reféns, à parte os feridos durante o atentado terrorista, não apresentava ferimentos evidentes. Mas sua saúde mental causava preocupação.
No momento em que foram sequestrados, em vários locais do sul de Israel, na manhã de 7 de outubro, alguns dos reféns agora libertados viram os seus familiares ou vizinhos serem mortos. Outros só souberam que o cônjuge ou outros familiares também haviam sido sequestrados depois da libertação.
Nenhum dos homens israelenses adultos feitos reféns foi libertado no âmbito do primeiro acordo entre Israel e Hamas. Nos ataques terroristas de 7 de outubro, 1.200 israelenses foram mortos pelo Hamas, e 239 pessoas foram feitas reféns e levadas para a Faixa de Gaza.
"Foi brutal"
Aos poucos, as experiências dos reféns no cativeiro estão chegando ao conhecimento do público israelense, mas as histórias ainda são fragmentadas. E nem tudo o que os libertados contam às suas famílias é divulgado por elas.
Margalit Moses, por exemplo, contou muito à família, diz o filho. "Mas não podemos compartilhar tudo. Pediram-nos para não fazê-lo por preocupação com os reféns que ainda estão lá." Ele não diz que fez esse pedido à família.
"O que posso dizer é que ela tentou permanecer positiva, tentou ajudar os outros, por exemplo quando os idosos tinham que ir ao banheiro. Ela tentou cantar com outras pessoas ou trocar ideias, conversar entre si."
Em vídeos dos reféns sendo entregues a ajudantes da Cruz Vermelha Internacional por combatentes do Hamas, alguns reféns acenaram adeus aos seus captores. "Isso foi uma encenação que eles tiveram de fazer", diz Asher Ben-Arieh, professor de serviço social na Universidade Hebraica de Jerusalém. "Pelos relatos daqueles que deixaram o cativeiro, os diagnósticos físicos e psicológicos, as histórias que ouvimos, isso é tudo, menos gentil."
O especialista em traumas infantis ajudou a elaborar as diretrizes para o tratamento dos reféns após a sua libertação e, em particular, conversou com as crianças e as mães. "Houve também os testemunhos dos reféns tailandeses. Alguns foram tratados um pouco melhor, outros pior. Alguns foram espancados, outros foram privados de comida, outros foram impedidos de dormir. Foi brutal."
Ameaças às crianças
Parentes de reféns relataram as experiências na mídia israelense e estrangeira. Contaram, por exemplo que, no início, havia comida suficiente para os reféns, e depois cada vez menos, apenas um pouco de arroz e biscoitos.
O menino Eytan, de 12 anos, foi forçado a "assistir a vídeos de terror do 7 de outubro" e foi mantido sozinho num quarto por algum tempo, relatou a tia dele, Deborah Cohen. "Quando ele chegou a Gaza, pessoas por quem ele passou o espancaram", disse Cohen a uma emissora francesa. "E eles ameaçaram as crianças com uma arma se elas começassem a chorar."
A menina Emily, de 9 anos, só sussurrava quando voltou da Faixa de Gaza, diz o pai. "Quando ela falou comigo, não consegui entender nada."
O tio de Hila, de 13 anos, disse que ela passou 50 dias no escuro, sem oportunidade de tomar banho e com pouco para comer. Algumas pessoas dormiam em bancos, outras em colchões no chão. Elas haviam sido instruídas a sussurrar durante o dia e a ficarem quietas à noite, disse o tio, Yair Rotem, à mídia israelense.
Médicos e psicólogos aconselharam as famílias a não importunar os libertados com perguntas. Tudo o que eles precisam agora é da sensação de terem novamente o controle sobre suas vidas, diz o especialista Ben-Arieh. "O mais importante é não tomar decisões por eles. É preciso perguntar o que querem ou não fazer, e permitir que eles recuperem o máximo possível o controle sobre suas vidas", explica.
Mais de 130 reféns
Para Yair Moses, o pesadelo está longe do fim: o pai dele, de 80 anos continua em poder do Hamas. Tanto a mãe como o pai, que são divorciados, vivem em Nir Oz. Nada se sabe sobre a situação do pai. O governo de Israel calcula que haja ainda 137 reféns na Faixa de Gaza.
A Cruz Vermelha Internacional também não obteve qualquer acesso a esses reféns. "A cada dia aumenta a minha preocupação com o meu pai, mas também com todos os outros que ainda estão lá", diz Moses.
Ele cresceu em Nir Oz e conhece muitos dos moradores do kibutz. "Para mim não é só uma lista de nomes, eu conhecia todos eles. Mas também os outros que eu não conheço, os jovens da rave em Reim, os soldados – todos têm que voltar."
Autor: Tania Krämer