Entenda o que está em jogo na disputa entre Elon Musk e o STF

Alexandre de Moraes deu prazo de 24h ao bilionário para indicar representante legal do X no Brasil

Por Deutsche Welle

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu nesta quarta-feira (28/08) prazo de 24 horas ao bilionário Elon Musk, dono da rede social X (ex-Twitter), para que indique um representante legal da empresa no Brasil, sob pena de "imediata suspensão" da plataforma em caso de descumprimento.

A operação da plataforma também foi condicionada ao pagamento de multas já impostas pelo descumprimento de ordens judiciais anteriores.

A intimação foi postada pela conta do STF no próprio X, em resposta a uma postagem de 17 de agosto da equipe de relações governamentais internacionais da empresa, que acusava Moraes de não "respeitar a lei ou o devido processo legal".

Na ocasião, a plataforma anunciou o fechamento do escritório no Brasil em reação ao que chamou de "ameaça" e "censura" por parte do ministro, que cobrava a plataforma pelo não cumprimento de ordens judiciais anteriores que impunham à plataforma a retirada de conteúdos da rede social.

Algumas das contas alvo de bloqueio judicial eram de bolsonaristas, como o senador Marcos do Val (Podemos-ES).

O fechamento do escritório do X no Brasil, porém, não impactou o funcionamento da plataforma.

É a primeira vez que o STF intimida alguém via redes sociais, segundo informado pelo próprio tribunal ao portal g1.

Musk acusa há meses Moraes de ser autoritário em decisões para retirada de perfis da plataforma. O ministro, por sua vez, alega que age para conter a disseminação de discursos de ódio e de movimentos golpistas que ameaçam a democracia no país, como foi visto nas vésperas dos ataques de 8 de janeiro de 2023.

Relatório no Congresso dos EUA

A disputa entre Musk e Moraes se intensificou em abril, com a publicação de um relatório do Congresso americano que lista uma série de "demandas de censura" de Moraes.

O relatório, produzido por uma comissão presidida pelo deputado republicano Jim Jordan, ligado ao ex-presidente Donald Trump, foi elaborado com base em documentos internos da plataforma disponibilizados por Musk, e que revelariam supostos abusos em decisões do ministro.

Segundo o documento, o STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ambos presidido por Moraes, pediram à plataforma X que suspendesse ou removesse quase 150 contas de críticos do governo brasileiro.

Moraes supostamente ordenou que as plataformas de mídia social removessem postagens e contas mesmo quando "muito do conteúdo não violava as regras [das empresas]" e "muitas vezes sem dar uma razão", aponta o relatório.

O texto afirma ainda que a "censura dirigida" não é um problema restrito aos governos "em terras distantes", e acusa a administração de Joe Biden de silenciar os críticos do governo.

O relatório foi divulgado a menos de sete meses das eleições presidenciais nos Estados Unidos. As eleições presidenciais nos Estados Unidos estão marcadas para novembro, e Trump é o candidato republicano à Casa Branca. Pelo Partido Democrata, a candidata é a vice de Biden, Kamala Harris.

Musk e as ‘milícias digitais’

Em abril, Moraes determinou a inclusão de Musk como investigado no inquérito que apura a ação de milícias digitais que atentam contra a democracia. O magistrado apontou que viu indícios de obstrução de Justiça e incitação ao crime nas ações de Musk e determinou multa diária de R$ 100 mil para cada perfil que a empresa reativar de forma irregular.

Musk usou a sua plataforma para chamar o ministro de "ditador brutal" e afirmou que iria descumprir ordens judiciais brasileiras de bloqueio de perfis criminosos na rede social. A plataforma voltou a mostrar publicações de perfis bloqueados por ordem judicial, como o da juíza aposentada Ludmila Grilo e do apresentador Monark, conforme informou a agência de checagem Aos Fatos.

O perfil no X do canal Terça Livre, do ativista de extrema direita Allan dos Santos, recebeu o selo dourado na rede, mesmo com uma ordem judicial que havia determinado o bloqueio da conta em setembro de 2021.

Articulação internacional

No início de março, o deputado federal Eduardo Bolsonaro conduziu uma comitiva de deputados brasileiros para Washington (EUA), onde conversaram com parlamentares republicanos sobre como o Brasil se tornou uma "ditadura de esquerda".

Eles foram convidados para participar em uma audiência na Comissão Tom Lantos de Direitos Humanos na Câmara dos Representantes, mas tiveram que mudar os planos quando o democrata James P. McGovern, um dos dois copresidentes da comissão, vetou o evento.

Em nota à Agência Pública, McGovern afirmou que os republicanos estariam "usando o Congresso dos Estados Unidos para apoiar os negacionistas eleitorais da extrema direita que tentaram dar um golpe no Brasil".

O que está por trás da briga

As suspensões desses perfis haviam sido determinadas em 2022, ano da campanha à presidência da República, e em 2023, quando houve os atos golpistas de 8 de janeiro, em Brasília.

Em 2022, a Justiça brasileira tomou medidas mais proativas para conter ameaças à democracia. Alexandre de Moraes virou a face mais conhecida desse processo porque era o relator do inquérito sobre as milícias digitais antidemocráticas e é o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

O ministro determinou, no âmbito das investigações, que as redes sociais bloqueassem alguns alvos desses inquéritos, afirmando que esses investigados utilizavam as plataformas para práticas irregulares.

Perto do segundo turno, o TSE publicou resolução determinando que as plataformas digitais deveriam remover conteúdos inverídicos em até duas horas, sob pena de multa de R$ 100 mil por hora, um fato sem precedentes na Justiça brasileira.

Essas decisões jurídicas de dois ou três anos atrás receberam críticas por terem uma redação muitas vezes ambígua, que não deixa clara a extensão do poder de polícia da Justiça Eleitoral.

Não há informações públicas sobre todas as ações judiciais que motivaram as críticas de Musk contra Moraes. O X informou que havia sido proibido de informar quais contas foram retidas e qual tribunal ou juiz emitiu a ordem, mas em agosto publicou na rede social alguns documentos que chamou de "ordens secretas" de Moraes.

VPN e Starlink

Musk ainda sugeriu como burlar um eventual bloqueio da rede social no Brasil, o que não seria um fato inédito no país. Em 2015 e em 2016, por exemplo, juízes de primeira instância determinaram o bloqueio do Whatsapp depois que a empresa se negou a conceder informações para investigações policiais. O mesmo aconteceu com o Telegram no ano passado.

"Para garantir que você ainda pode ter acesso à plataforma X, baixe um VPN", disse o empresário em uma publicação. "Usar um VPN é muito fácil", completou.

Ferramentas de Virtual Private Network (VPN) são serviços que mascaram a origem do acesso à internet. Ele faz com que usuários pareçam estar outro país, driblando bloqueios locais.

Caso a Justiça brasileira determine o bloqueio do X, outra questão se impõe. Musk também é dono da Starlink, empresa de internet via satélite que tem no Brasil um de seus principais mercados.

Segundo levantamento feito pela BBC News Brasil, a empresa é líder entre os provedores de banda larga fixa por satélite na Amazônia legal, com antenas instaladas em ao menos 90% municípios da região.

O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, alertou ao podcast Café da Manhã que esse seria "um segundo debate, que a gente ainda não enfrentou no Brasil, que é um provedor de internet descumprir ordens de bloqueios de plataformas."

Reações

Todo o embate ocorre enquanto o Congresso discute um projeto de lei para regulamentar as plataformas digitais, o chamado PL das Fake News, retirado da pauta da Câmara por falta de acordo entre parlamentares e pressão das plataformas. A União Europeia já aprovou uma norma desse tipo, que entrou em vigor em janeiro.

A briga aumentou a pressão pela regulamentação das redes sociais no Congresso. O relator do projeto de lei, deputado Orlando Silva, afirmou, em sua conta no X: "É impossível continuarmos no estado de coisas atual. As Big Techs se arrogam poderes imperiais. Descumprir ordem judicial, como ameaça Musk, é ferir a soberania do Brasil. Isso não será tolerado! A regulação torna-se imperativa ao Parlamento."

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, divulgou nota para afirmar que decisões judiciais podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado.

Barroso diz que é público e notório que "travou-se recentemente no Brasil uma luta de vida e morte pelo Estado democrático de Direito e contra um golpe de Estado, que está sob investigação nesta corte com observância do devido processo legal".

"O inconformismo contra a prevalência da democracia continua a se manifestar na instrumentalização criminosa das redes sociais", afirmou.

ra (ots)

Autor: Sofia Fernandes

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