A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, colocou na pauta de julgamentos desta quarta-feira (02/08) uma ação que pede que a Corte declare inconstitucional um artigo da Lei de Drogas que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal.
A ação foi proposta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e começou a ser julgada em 2015. Três dos ministros à época votaram a favor da descriminalização do porte para consumo pessoal, mas um pedido de vista suspendeu a análise do caso.
A Lei de Drogas atual, aprovada em 2006, no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva, estabelece que é crime adquirir, guardar ou transportar droga para consumo pessoal, assim como cultivar plantas com esse fim, mas não estipula pena de prisão. Quem for pego nessa conduta pode ser punido com penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas.
O objetivo dessa lei era diferenciar o usuário do traficante, e com isso reservar a prisão apenas para os traficantes. No entanto, a norma teve o efeito contrário.
A Lei de Drogas não estipula um limite de quantidade da substância ilegal para ser considerado porte, deixando isso para a interpretação das autoridades policiais e judiciais. Em vez de reduzir o número de pessoas presas por tráfico de drogas, houve um aumento significativo dessa prisões – o sistema judicial passou a enquadrar com frequência pessoas pegas com pequenas quantidades de drogas como tráfico, crime punido com até 15 anos de prisão.
A Defensoria Pública paulista, que lida com inúmeros casos de presos por porte de pequenas quantidades de drogas – muitas vezes, pessoas pobres e negras, discriminadas e sem meios para contratar advogados – argumenta que criminalizar o porte para uso pessoal fere os direitos à liberdade, à privacidade e à autolesão (tomar atitude que prejudique somente o próprio indivíduo), previstos na Constituição.
Qual é o caso em análise
A ação em discussão no Supremo trata de um homem que assumiu ser dono de 3 gramas de maconha encontrados por agentes penitenciários na cadeia em que estava preso, em Diadema. Por esse motivo, ele foi condenado em 2010 a dois meses de prestação de serviços à comunidade por dois meses.
A Defensoria recorreu da pena argumentando que criminalizar o porte de drogas para uso próprio fere direitos previstos na Constituição. A condenação foi mantida na primeira e na segunda instância do Judiciário paulista, e o órgão recorreu ao STF.
O caso tem repercussão geral, ou seja, a decisão do Supremo valerá para todos os casos semelhantes.
Como três ministros já votaram
Três ministros do Supremo já se posicionaram sobre o tema em 2015. Gilmar Mendes votou para descriminalizar o porte de qualquer droga, e Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram pela descriminalização somente do porte de maconha.
O então ministro Teori Zavascki pediu vista em agosto de 2015 para, segundo disse, analisar a legislação de outros países, o que suspendeu o julgamento. Zavascki morreu em 2017, e sua cadeira e seus processos foram assumidos por Alexandre de Moraes, que liberou a ação para julgamento no final de 2018.
Apesar da pressão por um desfecho, a corte vinha adiando colocar o tema em julgamento, período que coincidiu em parte com o mandato do presidente Jair Bolsonaro, um ferrenho opositor da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal.
A retomada do julgamento havia sido incialmente marcada para o dia 24 de maio e, depois, para 1º de junho, mas acabou sendo adiada em função de outros processos na pauta.
Questões em aberto
Um ponto importante sobre a ação é se os ministros definirão parâmetros para que o porte seja considerado para uso pessoal, como a quantidade da substância apreendida e outras circunstâncias, como se a pessoa portava armas ou tinha anotações indicando contabilidade da venda de drogas.
Em 2015, Barroso defendeu em seu voto a definição de uma parâmetro de quantidade: considerar usuário quem porta até 25 gramas de maconha ou cultiva até seis plantas cannabis para consumo próprio. A definição de parâmetros é considera por especialistas crucial para alcançar o objetivo de evitar a prisão de usuários e reduzir a superlotação do sistema penitenciário brasileiro.
Outra questão em aberto é para quais drogas uma eventual descriminalização do porte para uso pessoal seria aplicada. Em 2015, Fachin e Barroso defenderam que esse entendimento valesse somente para a maconha.
Além disso, é preciso observar a reação do Congresso, cuja legislatura atual é majoritariamente conservadora em relação ao tema. A decisão de Rosa Weber de pautar a ação para julgamento provocou insatisfação de alguns parlamentares contrários à descriminalização do porte para uso próprio, que acreditam que a corte invadirá a competência do Legislativo se acatar o recurso da Defensoria.
bl/lf (ots)