O que é o protocolo "No Callem", aplicado no caso Daniel Alves

Conjunto de ações para que espaços públicos de lazer previnam agressões sexuais e saibam como agir quando elas ocorrem foi criado pela cidade de Barcelona em 2018

Por Deutsche Welle

Daniel Alves foi condenado na Espanha
Lucas Figueiredo/CBF

O protocolo No Callem foi criado pelo governo de Barcelona em 2018 para combater agressões sexuais e violência machista em espaços de lazer da cidade, como discotecas e bares.

Cerca de 40 locais da capital catalã aderiram ao protocolo, que foi reativado no fim de 2022 depois de um período de paralisação das atividades privadas de lazer devido à pandemia de covid-19.

Os locais aderentes ao protocolo recebem treinamento e acompanhamento e devem aplicar medidas específicas para combater a violência machista.

"Quando sofremos uma agressão, nossa cidade não deve nos julgar, mas nos acompanhar e defender", afirmou a prefeita de Barcelona, Ada Colau, depois da prisão preventiva do jogador brasileiro de futebol Daniel Alves, acusado de estupro, em janeiro de 2023.

Após o julgamento do caso, que ocorreu no início de fevereiro deste ano, o brasileiro foi condenado nesta quinta-feira (22/02) a quatro anos e meio de prisão. O tribunal concluiu que está provado que Daniel Alves "agarrou subitamente" a vítima, atirou-a ao chão e, impedindo-a de se mexer, violentou-a, "apesar de a denunciante dizer que não, que queria sair".

Segundo especialistas, a boate Sutton, onde ocorreu o crime, aplicou rigorosamente o protocolo No Callem.

Barcelona não é um caso isolado. Há um protocolo semelhante em toda a Catalunha, e também em cidades como Madri e Pamplona.

Os responsáveis pela criação do protocolo No Callem afirmam que ele inovou ao envolver o setor privado de lazer na luta contra a violência de gênero. Em 2019, uma pesquisa mostrou que, na Catalunha, uma em cada dez agressões sexuais ocorre em bares e casas noturnas.

Um ponto central do protocolo é deslocar a atenção para as vítimas do abuso ou da agressão sexual. A prioridade das ações deve estar nelas, e não no agressor.

O protocolo dá um papel de destaque aos funcionários dos estabelecimentos, que devem ser capacitados para saber como prevenir e identificar a violência sexista e como agir em casos de agressão ou assédio sexual.

Outro diferencial é o acompanhamento da equipe por pessoal especializado em violência sexual, que pode oferecer orientações aos responsáveis e funcionários para garantir a correta aplicação das medidas de prevenção e de como lidar com um caso.

Cinco princípios

O protocolo No Callem se orienta por cinco princípios. O primeiro é que a atenção prioritária deve ser dada à pessoa atacada. Em caso de agressão, ela deve receber a devida atenção. Em casos graves, ela não pode ser deixada sozinha, a não ser que queira.

O segundo princípio orientador é o respeito às decisões da pessoa agredida. Ela deve receber as informações e conselhos corretos, e ela deve tomar a decisão final, mesmo que esta pareça incompreensível para os demais.

Terceiro princípio: o foco não deve estar num processo criminal. Estes são complexos, difíceis também para quem foi agredido e muitas vezes terminam de uma forma não satisfatória para quem sofreu uma agressão. Isso pode gerar frustração, e por isso é importante informar e levar em conta que existem outras formas de tratar a situação e dar importância ao processo de recuperação da pessoa agredida.

O quarto princípio é a atitude de rejeição ao agressor. Deve-se evitar sinais de cumplicidade com ele, mesmo que seja apenas para reduzir o clima de tensão. É importante mostrar que há uma clara rejeição à agressão e envolver o entorno do agressor nessa rejeição.

O quinto e último princípio é o da informação rigorosa. Tanto a privacidade da pessoa agredida como a presunção de inocência da pessoa acusada devem ser respeitadas. Por isso, é aconselhável não repassar informações oriundas de fontes não confiáveis ou espalhar boatos.

O que deve ser feito

A partir desses cinco princípios, o protocolo é estruturado em três eixos: as ações de prevenção, as instruções para identificar um caso, e as instruções sobre como lidar com um caso de agressão ou abuso sexual.

Como prevenção, o protocolo prevê que não sejam usados critérios sexistas ou discriminatórios para ingresso num espaço de lazer, por exemplo cobrar valores de ingressos diferentes para homens e mulheres ou dar entrada gratuita ou vale-bebida para mulheres.

Os proprietários também não devem atentar para a aparência das mulheres na hora de decidir quem pode ou não entrar, nem aplicar códigos diferenciados de vestimentas para homens e mulheres.

O estabelecimento deve comunicar aos frequentadores que aplica o protocolo, e uma atenção especial deve ser dada às áreas escuras – em discotecas, por exemplo.

Ações promocionais não devem fomentar a desigualdade de gênero ou mostrar desrespeito por pessoas em razão de gênero ou diversidade sexual, por exemplo na forma de cartazes que promovam códigos de vestimenta distintos ou que apresentem mulheres como objetos sexuais.

O protocolo ainda destaca, entre as ações de identificação, a importância de o local ter uma pessoa com formação mínima para identificar as diferentes formas de agressão e assédio sexual.

Da mesma forma, o local deve dispor de pessoal capacitado para dar atenção às vítimas e para coordenar a ação envolvendo o caso.

O protocolo ainda lembra que, em caso de flagrante, o agressor, segundo a lei local, pode ser detido por qualquer pessoa, e que o responsável pela segurança do local tem a obrigação de detê-lo.

Já a pessoa agredida deve ser levada a uma sala onde possa ser atendida, nos casos de agressão sexual, estupro ou abuso sexual grave. Nos demais casos não há necessidade de um espaço específico, mas este deve ser reservado e garantir tranquilidade e isolamento.

Autor: Alexandre Schossler

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