A esperança de Olaf Scholz é que quando aterrissar na Alemanha na manhã da próxima quarta-feira (20/11), voltando da cúpula do G20 no Rio de Janeiro, ele, chefe de um governo que se esfacelou poucos dias atrás, possa trazer na mala algo realmente histórico: um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul arrematado à margem da reunião, após um quarto de século de negociações.
"Esse acordo de livre comércio seria um golpe libertador para a economia alemã. Temos que aproveitar essa oportunidade, pois é difícil imaginar uma situação geopolítica mais difícil que esta no momento", diz Volker Treier, diretor de comércio exterior da Câmara Alemã de Indústria e Comércio. "A janela de oportunidade está aberta agora. Não é possível negociar por 25 anos, depois não chegar a um acordo e acreditar que tudo possa ser esticado que nem chiclete. Se não for agora, quando será?"
Treier afirma que o acordo seria um sinal importante para a Europa e a economia alemã, diante de perspectivas não muito boas, especialmente em vista da ameaça de protecionismo do futuro governo dos EUA. Baterias, painéis solares, energia eólica, hidrogênio verde – a Europa poderia realizar sua transformação verde de forma mais rápida e sustentável com acesso facilitado às matérias-primas sul-americanas.
Em troca, os 4 bilhões de euros que as empresas europeias pagam anualmente em taxas alfandegárias sobre suas exportações para os países do Mercosul seriam eliminados, calcula Treier. "Já temos boas relações com o Mercosul, mas falta um verdadeiro dinamismo. Isso também se deve ao fato de que os países do Mercosul impõem tarifas muito altas, entre 25% e 30%, sobre os produtos clássicos de exportação alemães, ou seja, não só carros, mas também sobre produtos de maquinário elétrico e mecânico."
A ex-primeira-ministra da Estônia e futura chefe da diplomacia da UE, Kaja Kallas, está batendo na mesma tecla. "Se não concluirmos um acordo comercial com eles, essa lacuna será preenchida pela China", avisa, ressaltando que de 2020 a 2022 a China teria aumentado em 34 vezes seus investimentos na região. O primeiro megaporto controlado pela China na América do Sul acaba de ser inaugurado em Chancay, no Peru.
Se o acordo de livre comércio UE-Mercosul não for concluído na cúpula do G20, seus apoiadores têm como próxima perspectiva a cúpula do Mercosul em 5 e 6 de dezembro em Montevidéu, capital do Uruguai.
Resistência cresce nos dois lados
Ao mesmo tempo, porém, a resistência está crescendo na América do Sul e na Europa, e não apenas entre as organizações ambientais. Os agricultores europeus estão se revoltando, criticando os padrões duplos e, portanto, o que consideram concorrência desleal com seus colegas da América Latina.
E 600 eurodeputados franceses estão pedindo à presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, que não assine o acordo em um apelo publicado no jornal francês Le Monde. O que é ainda mais grave: o primeiro-ministro francês, Michel Barnier, anunciou que a França não poderá e não aceitará o acordo em sua forma atual.
"Mais benéfico para a Europa"
"O acordo entre o Mercosul e a UE é muito mais benéfico para a Europa do que para a América do Sul. As principais vítimas de qualquer acordo serão inevitavelmente a biodiversidade da América do Sul, suas pequenas e médias empresas e os pobres de ambas as regiões", avalia o biólogo argentino e ganhador de um Prêmio Nobel alternativo, Raúl Montenegro.
O anfitrião do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que quer consagrar a luta contra a fome e a mudança climática na declaração final do Rio, enfrentará outra tarefa hercúlea com o tema interminável dos acordos de livre comércio. "Nunca estive tão otimista em relação ao acordo UE-Mercosul", disse ele dois meses atrás durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Em seu terceiro mandato, Lula quer que o Brasil se torne um dos mais importantes atores globais.
"Essa é outra razão pela qual o tempo urge", diz Volker Treier, diretor de comércio exterior da Câmara Alemã de Indústria e Comércio. "Os países do Mercosul e outros países do Sul Global estão se tornando cada vez mais autoconfiantes. Estivemos na Índia há duas semanas e meia com a conferência asiática e a situação é a mesma lá. As pessoas ainda estão nos procurando, mas isso não será assim eternamente ", afirma.
Autor: Oliver Pieper