EUA e China duelam pelo domínio da internet

Concorrência entre as duas maiores portências globais extrapola política e economia e se estende ao mundo digital

Por Deutsche Welle

Biden e Xi Jinping
Kevin Lamarque/Reuters

Existem atualmente duas versões concorrentes da internet. De um lado, estão os Estados Unidos e monopólios privados como Meta, Alphabet e Apple, e onde o consumo e o comércio estão em primeiro lugar.

Do outro, está a China, onde a internet se caracteriza por ser uma plataforma de serviços e monitoramento e na qual empresas como ByteDance, Alibaba e Tencent têm soberania de mercado quase ilimitado.

A versão chinesa, conhecida como "Rota da Seda Digital", faz parte de algo mais amplo, a Iniciativa do Cinturão e Rota (em inglês: Belt and Road Initiative), uma estratégia adotada pelo governo chinês para aumentar sua influência na Ásia e além dela.

"A China está tentando influenciar as normas globais por meio de padrões técnicos e fóruns multilaterais", destaca o relatório Rota da Seda Digital da China, do think tank de Londres Article 19.

Por exemplo, no contexto da Conferência Mundial da Internet, realizada anualmente desde 2014 pela própria China, o modelo chinês enfatiza a "soberania digital", o "controle estatal" e se concentra em "segurança cibernética, censura e vigilância".

Uma origem, dois sistemas

E, por trás dessas duas versões distintas, existem duas visões de mundo diferentes. Isto também pode ser visto na forma como a internet é coordenada nos dois países.

"A maioria das regulamentações nos EUA visam garantir a liberdade empresarial, enquanto na China a segurança nacional (e, portanto, considerações políticas) desempenham um papel essencial", destaca Stefan Schmalz, sociólogo da Universidade de Erfurt, na Alemanha, em seu ensaio Varianten des digitalen Kapitalismus: China und USA im Vergleich (Variantes do capitalismo digital: China e EUA em comparação, em tradução livre).

O fato é que ambas as versões da internet ainda se baseiam na mesma tecnologia básica (HTML, TCP/IP, etc.), mas se desenvolveram separadamente no decorrer da Web 2.0, que existe desde a virada do milênio.

Desde então, os usuários têm acesso a aplicativos mais fáceis de usar, fornecidos pelas gigantes da tecnologia, como Instagram, WhatsApp, Amazon, etc.

Na China, plataformas paralelas equivalentes foram desenvolvidas. A versão chinesa do WhatsApp, por exemplo, é o WeChat. Para a maioria dos usuários, ambas as versões representam dois mundos separados que não se comunicam entre si.

A ruptrura

A China começou a dissociar-se da internet, que era dominada por empresas americanas, em 1998. Na época, o Partido Comunista Chinês criou o Grande Firewall para filtrar conteúdo indesejado do exterior. Em 2010, o Google retirou-se da China após não conseguir chegar a um acordo sobre as diretrizes de censura com o governo, entre outras coisas.

Em 2011, foi fundada a autoridade que regula a internet na China nacional e é responsável pela censura online (e organiza a Conferência Mundial da Internet). O departamento agora se chama Administração do Ciberespaço da China.

Desta forma, o PCC criou um mercado bem definido, com 1,4 bilhão de usuários chineses, no qual as suas próprias empresas digitais cresceram e prosperaram.

O caminho especial da China ter sido bem sucedido, num certo sentido, também pode ser visto pelo fato de os gigantes chineses da internet serem agora bastante competitivos com os dos EUA. A única rede social que não vem dos EUA e ainda é competitiva globalmente é o TikTok, da China.

A luta pela internet do futuro

Mas a China – como mostra o caso TikTok – já não se contenta em ser o mundo paralelo. Pelo contrário: quer se expandir. O debate sobre a internet do futuro já se arrasta há muito tempo. O setor privado, os interesses políticos e geopolíticos estão se misturando na batalha pela tecnologia chave da internet.

O melhor exemplo é a disputa envolvendo a Huawei, uma das mais importantes empresas de equipamentos e hardware de telecomunicações do mundo e maior fornecedora de tecnologia 5G. Críticos nos EUA e no Ocidente acusam a empresa de usar "um cavalo de Tróia" para entrar nos países estrangeiros – com o argumento de que, em última análise, a Huawei é obrigada a fornecer informações ao PCC.

Clive Hamilton e Mareike Ohlberg descreveram a empresa em seu livro The Silent Conquest como o melhor exemplo de "como o PCC combina espionagem, roubo de propriedade intelectual e operações de influência". A Huawei, porém, sempre negou as acusações, e até hoje não há evidências de que a empresa realmente instale os chamados backdoors para espionagem.

Influência da China no Indo-Pacífico

Independentemente disso, a dicotomia do mundo da internet continua se espalhando. Em novembro de 2022, a Comissão Federal de Comunicações (FCC) dos EUA proibiu a importação e comercialização de determinados produtos Huawei nos EUA por razões de segurança nacional. No final de 2023, a China emitiu uma diretriz determinando que os computadores governamentais não usassem chips Intel ou software Microsoft o mais rapidamente possível.

Os países terceiros que não têm a sua própria indústria tecnológica estão tendo que, cada vez mais, decidir de que lado ficar. Os EUA foram os líderes durante muito tempo, mas no Indo-Pacífico e especialmente no Camboja, Paquistão e Tailândia, mas também na Malásia e no Nepal, a China ganhou influência significativa, de acordo com o think tank Article 19.

Nenhum país foi tão longe quanto o Camboja. "É o melhor exemplo de um país que adota o autoritarismo digital ao estilo chinês. Desde 2021, o Camboja tem trabalhado para introduzir a sua própria versão do Grande Firewall como parte de um portal nacional da internet", afirma o estudo.

Segundo os autores, a China tem cada vez mais sucesso na restrição da internet livre, aberta e interoperável com a sua Rota da Seda Digital.

Autor: Rodion Ebbighausen

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