Terroristas sanguinários ou a maior esperança da Síria? A população do país está dividida em relação ao grupo rebelde Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al Sham, ou HTS), que liderou a ofensiva que resultou na queda do ditador sírio Bashar al-Assad na semana passada.
"Eles também são filhos do país", disse à DW Ghaith Mahmoud, 36 anos, que lutou contra as forças do governo sírio, mas vive na Alemanha desde 2016. "Não sei se eles podem governar o país. Mas sei que todos os jovens que lutaram como parte desses grupos agora só querem voltar para casa."
Outros expatriados são menos compreensivos e têm receio de confiar no HTS, que lidera o esforço para estabelecer um novo governo de transição na Síria.
O HTS prometeu não impor sua política islâmica à nação religiosa e etnicamente diversa. Mas as fotos do primeiro-ministro interino nomeado pelo HTS, Mohammed al-Bashir, alarmaram alguns sírios. Ele aparece nas imagens sentado em uma mesa com duas bandeiras atrás de si – uma verde e preta da revolução síria e outra com uma oração islâmica inscrita.
A oração aparece com destaque na bandeira da Arábia Saudita e também foi usada por grupos extremistas, incluindo o Talibã, no Afeganistão.
As políticas que devem ser implementadas por um novo governo de transição sírio, instalado com o apoio do HTS, também levantam questões se o grupo rebelde ainda deve ser classificado como uma organização terrorista.
O HTS já foi ligado a grupos extremistas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico (EI). Por isso, os Estados Unidos o classificam como "organização terrorista estrangeira", e o Reino Unido o considera uma "organização terrorista proibida".
A União Europeia tem duas listas de grupos terroristas: uma é autônoma e a outra segue o exemplo da ONU, explicou à DW um porta-voz de relações exteriores do bloco. Na lista da própria UE, o HTS não é listado como um grupo terrorista. Mas na segunda lista, baseada na ONU, o HTS continua classificado como terrorista devido à sua afiliação à al-Qaeda e ao EI desde 2013. Se a ONU retirar o HTS dessa lista, a UE fará o mesmo, acrescentou o porta-voz.
Debate em torno da classificação de terrorista
No início desta semana, o enviado especial da ONU para a Síria, Geir Pedersen, sugeriu que a designação terrorista do HTS precisava ser revista, tendo em vista acontecimentos recentes.
"É preciso analisar os fatos e ver o que aconteceu nos últimos nove anos", disse Pederson durante coletiva à imprensa, em Genebra. "Já se passaram nove anos desde que a resolução [para colocar o HTS na lista de organizações terroristas] foi adotada e a realidade até agora é que o HTS e também os outros grupos armados têm enviado boas mensagens ao povo sírio; eles têm enviado mensagens de unidade, de inclusão."
Políticos dos EUA e do Reino Unido também sugeriram uma reavaliação, embora grande parte do debate tenha ocorrido a portas fechadas. Não está claro se isso ocorrerá, de acordo com Aaron Zelin, especialista em HTS e membro sênior do Washington Institute.
"É compreensível que os governos estejam discutindo o assunto apenas por causa da mudança na situação [da Síria]", disse à DW. "Mas isso não se deve necessariamente ao fato de as pessoas não acharem que eles são extremistas. Na verdade, o HTS pediu que os EUA os retirassem da lista [de terroristas] em 2020."
Embora a retirada da lista não tenha acontecido na época, a atual importância geopolítica da Síria para o Ocidente poderia contar a favor do HTS, sugeriu Zelin.
Políticos de direita e anti-imigração na Europa já estão discutindo como podem enviar refugiados sírios de volta. Mas a lei internacional provavelmente proibiria o envio de pessoas diretamente para um país administrado por um grupo reconhecido como terrorista que não tem uma comunicação aberta e legítima com outros países.
Contatos estabelecidos
Já existem contatos entre o HTS e pelo menos alguns dos governos que o classificam como organização terrorista. A Turquia tem um canal de diálogo com o grupo, e o Ministério do Exterior da Alemanha diz que tem meios de entrar em contato com o HTS, assim como seu homólogo americano.
"Temos a capacidade de enviar mensagens a cada um dos grupos relevantes dentro da Síria", disse um porta-voz do Departamento de Estado americano na terça-feira, em Washington. Mas isso não significa que os EUA possam legalmente oferecer apoio material a uma organização estrangeira designada como terrorista, concluiu.
E esse é um dos motivos para a classificação do HTS ser reconsiderada, apontam especialistas. Ela atrapalha o acesso à ajuda humanitária, a exemplo do que aconteceu após o terremoto devastador que atingiu a Turquia e o norte da Síria em fevereiro de 2023.
As sanções pré-existentes contra o regime de Assad e a classificação do HTS como grupo terrorista também dificultam muito as organizações que trabalham com desenvolvimento e reconstrução na Síria. O HTS anunciou que deseja administrar uma economia de livre mercado, mas as sanções teriam um "efeito inibidor" internacional, à medida que empresas e bancos podem ser extremamente cautelosos quando se trata de negociar com a Síria.
Há outros motivos para prudência ao listar o HTS como terrorista, segundo observadores. O HTS nasceu de vários grupos extremistas na Síria, mas rompeu esses laços em 2016 e, desde então, de fato prendeu, expulsou e lutou contra membros da Al-Qaeda e do EI. O HTS também disse anteriormente que não permitiria que seu território fosse usado como base para ataques extremistas.
"O HTS representa uma baixa ameaça para aqueles que estão fora de sua área de controle imediata", observou um resumo do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, com sede em Washington, em meados de 2023. "No entanto, o estilo autoritário de governança do HTS representa uma ameaça para a população local."
Ações, não palavras
Desde cerca de 2017, o HTS controla uma área no norte da Síria com mais de 3 milhões de habitantes e, como todos os outros grupos de milícias de oposição no país, também foi acusado de abusos de direitos humanos.
"Suas políticas são frequentemente aplicadas por meio de intimidação, assassinato de seus rivais e assassinato de ativistas da sociedade civil", explicou Joseph Daher, professor do Instituto Universitário Europeu e especialista em Síria, em uma entrevista à revista Tempest nesta semana. "Muitos sírios em áreas sob o controle do grupo expressam alívio com a relativa estabilidade no local, mas ressentimento com as práticas de mão de ferro do grupo."
Para sair da lista de terroristas e obter reconhecimento internacional formal, o HTS precisa agora provar seu valor, afirmaram especialistas do think tank europeu Crisis Group num comunicado publicado na quinta-feira.
"Washington e outras capitais ocidentais devem (...) explicar ao [líder militar do HTS, Abu Mohammed] al-Golani o que ele precisa fazer para que a designação de terrorismo seja retirada", escreveram eles. "Al-Golani deve mostrar rapidamente aos sírios, especialmente àqueles que não compartilham de suas crenças islâmicas e às minorias do país, bem como aos vizinhos desconfiados e às capitais ocidentais, que seu movimento pode trabalhar com outros para conduzir o país a um futuro melhor. O mundo, por sua vez, deve lhe dar espaço para fazer isso."
Se a comunidade internacional considerar as ações do governo sírio inadequadas, "as autoridades podem rapidamente reimpor a designação se julgarem necessário", sugeriu o Crisis Group.
Autor: Cathrin Schaer