Há cerca de um ano, apoiadores fanáticos do presidente derrotado nas eleições de 2022, Jair Bolsonaro, atacaram as instituições da jovem democracia brasileira. A turba provocou incêndios, quebrou janelas, destruiu obras de arte, defecou em móveis históricos e quebrou aparelhos eletrônicos. A destruição estava por todos os lados no Congresso Nacional, no Supremo Tribunal Federal e no Palácio do Planalto, e os danos materiais chegaram à casa dos milhões de reais.
O que inicialmente parecia uma revolta espontânea de alguns milhares de fanáticos que conseguiram entrar nos edifícios devido a falhas das forças de segurança acabou se revelando uma ação organizada: financiada por empresários, fomentada através das redes sociais e tornada possível pela inação das forças de segurança, ela deveria instigar um golpe militar contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tomara posse uma semana antes. Os criminosos foram acompanhados por meios de comunicação, como a emissora Jovem Pan, uma porta-voz do bolsonarismo, que tentou apresentá-los como "cidadãos preocupados".
Hoje as consequências da destruição não são mais visíveis em Brasília, e os acontecimentos foram amplamente esclarecidos. Muitos dos responsáveis ??foram indiciados, muitos agressores estão atrás das grades, e a boa notícia é que a democracia do Brasil mostrou que sabe se defender. Suas instituições funcionam, especialmente o Judiciário.
Mas a pergunta fica: a democracia saiu realmente fortalecida ou aqueles acontecimentos são apenas o prenúncio de um desmoronamento que pode ser observado por todo o mundo. O ataque às instituições democráticas do Brasil não criou um consenso social de rejeição, mas ampliou ainda mais o isolamento do bolsonarismo. Hoje, mais do que nunca, os bolsonaristas acreditam que estão sendo perseguidos e oprimidos. É uma característica típica de todos os movimentos fanáticos.
Não há dúvida de que as democracias ocidentais são profundamente falhas. Nos EUA é preciso ser rico para ser eleito, e o sistema eleitoral não deixa espaço para vozes alternativas a democratas e republicanos, que já não são mais partidos políticos pulsantes de vivas ramificações sociais, mas representantes de poderosos interesses econômicos. Na Alemanha, ninguém chega ao topo se não tiver passado anos dentro de um aparato partidário que elimina todo o pensamento criativo e inusitado. No Brasil, o Congresso, composto predominantemente de homens ricos e brancos, não representa a população, mas os interesses das grandes empresas e da agricultura. Em todos esses três países, um Estado visto como elitista gasta grandes somas de dinheiro dos contribuintes. Mas especialmente no Brasil os cidadãos não recebem nada em troca de seus impostos.
É um dever histórico corrigir esses erros. Mas a chamada Nova Direita não quer reformar a democracia: quer destruir suas instituições e colocá-las a seu serviço. O perigo para a democracia vem de dentro. Do bolsonarismo no Brasil, do trumpismo nos EUA, da AfD na Alemanha. O novo presidente da Argentina, Javier Milei, até declara abertamente que quer colocar o país sob o estado de emergência para levar adiante seu programa de choque ultraliberal.
A ascensão desses homens e grupos tem muito a ver com a desierarquização da informação nas redes sociais. Hoje, qualquer pessoa pode alegar qualquer coisa e sempre vai achar alguém que acredite nela. Isso levou grandes setores da população a se desconectarem da realidade e serem levados pela manipulação – até porque muitos influenciadores nas redes sociais transformaram mentiras e provocações num modelo de negócio.
Um estudo publicado recentemente mostra que a maioria dos apoiadores de Bolsonaro continua vivendo numa bolha mais de um ano depois de ele ter perdido a eleição presidencial. Qualquer coisa que não corresponda à sua visão de mundo está errada. Os dados oficiais sobre o crescimento econômico, o declínio do desemprego e da inflação são desqualificados como propaganda porque não pode ser verdade que a economia esteja indo bem sob Lula.
Muitos brasileiros nunca aprenderam a questionar criticamente informações. Eles tanto mais acreditam em algo quanto mais fortemente isso reforçar uma determinada opinião ou sentimento já existentes. Não só no Brasil, mas especialmente no Brasil, os jovens não aprendem a interpretar criticamente um texto ou um filme: que eles criam uma imagem subjetiva da realidade, que perseguem uma intenção e utilizam diferentes meios retóricos e artísticos para consegui-la. A ausência dessa habilidade torna as pessoas extremamente manipuláveis, pois elas entendem tudo literalmente. A máquina de propaganda bolsonarista funciona sobre essa base, tal como a de Trump. Cada bobagem, cada meia verdade, cada mentira, cada difamação são celebradas.
Nenhuma democracia pode suportar isso por muito tempo, porque falta uma base comum para o debate. É impossível resolver problemas (tarefa primária da política) se não houver nem mesmo consenso de que existe um problema. Como é possível implementar medidas contra as alterações climáticas se um dos lados insiste que as alterações climáticas não existem? Historicamente, esse sempre foi o melhor caminho para o ocaso de qualquer sociedade.
Antigamente, conservadores e progressistas debatiam sobre a melhor forma de resolver problemas sociais. A nova e raivosa direita não está nem aí para resolver problemas. Ela quer é derrubar o sistema democrático, que afirma já não cumprir a vontade do povo, que ela representaria. Trump, Bolsonaro, Milei e a AfD não são conservadores ou direitistas clássicos que querem preservar alguma coisa. São revolucionários reacionários que querem destruir a estrutura social existente para erguer, sobre os escombros, uma nova, dentro da sua concepção.
É por isso que o 8 de Janeiro de 2022 não acabou, mas continua sendo uma ameaça.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha,Suíça e Áustria Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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Autor: Philipp Lichterbeck