Publicados hoje, pela primeira vez, as atas de reuniões secretas dos Estados Unidos revelam operações clandestinas no Brasil, seis meses antes do golpe militar de 1964. “A CIA conduziu ações secretas no movimento trabalhista para enfraquecer o controle comunista”, informou o então diretor adjunto de Planos (e depois diretor da CIA), Richard Helms, a um grupo que trabalhava diretamente com e para os presidentes Kennedy e Johnson, conhecido pela sigla PFIAB (Conselho Consultivo de Inteligência Estrangeira do Presidente).
As atas abrangem operações secretas também em Cuba, Guiana Britânica, Haiti, Chile e Congo. Elas revelam financiamentos a grupos e partidos políticos para derrubar e desestabilizar governos. Essas atas estavam guardadas nas pastas sobre o assassinato de Kennedy, liberadas em janeiro pelo presidente Donald Trump, e divulgadas hoje pelo Arquivo de Segurança Nacional.
O registro das operações da CIA no Brasil é datado de 10 de setembro de 1963, e inclui também a Bolívia, Cuba e Vietnã. Na reunião posterior do PFIAB, em 5 de junho de 1964, já depois do golpe militar de 31 de março, o Brasil talvez tenha ficado entre “outros lugares”, sem ser especificamente mencionado.
Professor de Relações Internacionais da Universidade do Sul da Flórida e funcionário do Arquivo de Segurança Nacional, Arturo Jimenez-Bacardi, comentou que esses documentos do PFIAB e do Grupo Especial fornecem “uma história única das operações secretas, revelando motivações, prioridades e a determinação do governo dos EUA em intervir em assuntos internos de países em todo o mundo, inclusive com violência política e sabotagem econômica”. Era o período crucial da Guerra Fria.
Na Guiana Britânica, em 1963, a CIA pagou 435 mil dólares por uma greve geral de 79 dias para desestabilizar o governo eleito de Chedi Jagan. O MI16, britânico, participou das operações.
No Chile, a CIA canalizou 750 mil dólares em março de 1964, e mais 1,25 milhão de dólares em maio, na campanha presidencial de Eduardo Frei, do Partido Democrata Cristão, temendo a vitória do socialista Salvador Allende.
Na Itália, a CIA financiou o Partido Democrata Cristão com 1 milhão de dólares, e mais 600 mil dólares entre políticos que poderiam formar uma coligação de centro-esquerda.
Em Cuba, em 1963, a CIA mudou de “ataques externos para operações internas de sabotagem”, com dez “operações negras” por mês, visando cubanos civis e militares dissidentes. Havia 108 agentes secretos operando em Cuba, além de uma grande equipe de apoio em Washington e Miami.
No Haiti, a CIA organizou uma tropa de exilados para depor o ditador François “Papa Doc” Duvalier. Deu em nada, porque o presidente da República Dominicana, Juan Bosch, não permitiu o ataque desde seu país.
No Congo, a CIA desenvolveu três planos para tirar Patrice Lumumba do poder. A ata da reunião de 25 de agosto de 1960, porém, não descartou “a consideração de qualquer tipo específico de atividade que possa contribuir para se livrar de Lumumba”, até mesmo assassinato.
Entre janeiro de 1961 e o segundo semestre de 1962, o Grupo Especial aprovou 550 operações secretas, monitoradas pelo PFIAB. Mais revelações podem surgir de uma análise mais aprofundada das 80 mil páginas desclassificadas em janeiro sobre o assassinato de Kenedy.