Extinto desde 2020, após decisão do então governo de Jair Bolsonaro, a discussão sobre um seguro obrigatório para cobrir gastos com acidentes de trânsito voltou aos holofotes. Isso porque governadores que se opõem ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rejeitaram voltar a realizar a cobrança da taxa, dinheiro que ficará sob a tutela da Caixa Econômica Federal.
Na lista inicial dos governadores que não cobrarão o Seguro Obrigatório para Proteção de Vítimas de Acidentes de Trânsito (SPVAT, antigo DPVAT), estão os gestores do Paraná, Santa Catarina, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais e São Paulo. A Lei Complementar 207/24 foi aprovada pelo Senado e sancionada por Lula em maio deste ano.
2026 na mira dos governadores
No contexto dessa discussão, estão os principais nomes da direita como possíveis rivais de Lula na disputa presidencial em 2026. A redução de impostos, apesar de o SPVAT ser considerado um seguro, e o enxugamento da máquina estatal estão entre as bandeiras dessas lideranças, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União Brasil-GO).
O governador Caiado, por exemplo, classificou a cobrança do “novo DPVAT” como “pouca-vergonha”, em vídeo postado nas redes sociais. Ao criticar a volta do seguro, o político goiano sugeriu que o governo federal trate os recursos públicos com responsabilidade, a fim de não onerar a população.
Se o governo federal está com problema de caixa, que tenha juízo e trate o dinheiro público com responsabilidade. O que não dá é querer impor mais taxas e impostos aos brasileiros (governador Ronaldo Caiado)
Haverá isenção em SP, MG, SC, DF, GO e PR?
O extinto DPVAT era pago, anualmente, por donos de carros, motos, táxis, ônibus, etc. Normalmente, o valor era cobrado junto ao Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) dos estados.
Com a recusa dos governadores de oposição à cobrança do SPVAT, resta a dúvida se os proprietários de veículos estão isentos ao pagamento da contribuição nesses estados. Se depender do governo federal, não, pois a Caixa fará a arrecadação, com ou sem apoio dos gestores locais.
Em nota publicada no dia 23 de outubro, a Superintendência de Seguros Privados (Susep), subordinada ao Ministério da Fazenda, destacou que a Caixa fará a cobrança nos estados que se recusarem. Por outro lado, em resposta ao Band.com.br, o órgão informou que ainda não definiu como isso será feito.
“A Susep está acompanhando o desenvolvimento das questões operacionais necessárias para a constituição do fundo que permitirá o atendimento das cerca de 400.000 vítimas de acidentes que recorrem ao seguro por ano e informa que ainda não está definida a forma pela qual a Caixa efetuará a cobrança do SPVAT”, informou a Susep por e-mail.
Sem prejuízo aos estados
Independentemente da aceitação ou recusa dos estados na adesão do convênio com a Caixa, o seguro será cobrado. Para a advogada Bruna Neves, pós-graduada em direito empresarial tributário, a postura dos governadores de oposição não implicará em prejuízos para a administração local, visto que a lei do SPVAT não obriga quaisquer competências para as unidades federativas.
O que tem ocorrido é que, como medida de ‘retaliação’ ao governo federal, alguns dos governos [estaduais] estão se negando a celebrar esses convênios, mas isso não acarreta qualquer sanção ou prejuízo aos entes estaduais (advogada Bruna Neves)
A própria lei destaca a possibilidade de cobrança direta pela Caixa, caso os estados não a façam. Em outro trecho do texto, há a informação de que as gestões locais podem receber até 1% da arrecadação, a título de restituição das despesas dos governos.
“[Compete à caixa] cobrar os prêmios do seguro dos proprietários de veículos automotores de vias terrestres, exceto quando ocorrer a cobrança pela unidade federativa em que o veículo estiver licenciado, e comunicar sua quitação ao órgão máximo executivo de trânsito da União”, diz trecho da Lei Complementar 207/24.
Convênios municipais e privados
Para a advogada entrevistada pelo Band.com.br, a Caixa pode firmar outros convênios, inclusive com municípios e setor privado, para fazer as cobranças aos donos de veículos. Por conta disso, na prática, os governos têm a autonomia de acharem ou não a medida benéfica.
“Desse modo, caberá à própria Caixa Econômica proceder à cobrança das verbas, seja mediante novas formas de parceria, seja de modo autônomo, por meio, até mesmo de cobrança judicial àqueles que permanecerem inadimplentes”, prosseguiu a especialista.
Taxa de R$ 50 a R$ 60 por ano
Com a nova legislação, caberá à Caixa a gerência do fundo que será criado para a manutenção das indenizações por acidentes de trânsito. Despesas com serviços funerários e reabilitação de vítimas parcialmente inválidas também serão cobertos. A expectativa do governo é que o valor a ser cobrado fique entre R$ 50 e R$ 60 por ano.
Vale lembrar que a quitação do SPVAT representa “requisito essencial” para o licenciamento anual do veículo e transferência de propriedade, por exemplo. Caso haja inadimplência, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) adotará medidas para impedir a circulação do respectivo transporte automotor.