Depois que Joe Biden derrotou Donald Trump tanto no voto popular quanto no Colégio Eleitoral no pleito presidencial de 2020, os resultados foram contestados em diversas frentes.
Numa campanha para anular a eleição, que ficou conhecida como "the big lie" (a grande mentira), Trump e alguns de seus apoiadores mais fervorosos, como o ex-prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, impugnaram mesários, alegaram fraude eleitoral em massa e reivindicaram auditorias e recontagens de votos em estados que tiveram resultados apertados. Aí, em 6 de janeiro de 2021, houve a invasão do Capitólio em Washington, uma última tentativa de anular a eleição à força.
Agora, Trump concorre novamente à presidência pelo Partido Republicano, e muitos de seus adeptos, inclusive seu candidato a vice, JD Vance, continuam repetindo falsas alegações sobre a eleição de 2020. A equipe trumpista também se recusou a se comprometer com o resultado do atual pleito, despertando temores de novas convulsões nos EUA, caso o magnata nova-iorquino não seja declarado vencedor.
Menos participação de eleitores
Uma vitória esmagadora da candidata democrata, a vice-presidente americana, Kamala Harris, tornaria menos prováveis contestações por parte de republicanos mais moderados. Contudo, a campanha para recolocar Trump na presidência, começou muito antes das pesquisas, e têm sido feitos esforços significativos para limitar quem pode participar da eleição de 2024.
Desde 2020, a organização apartidária Voting Rights Lab registrou mais de 700 novas leis eleitorais em todo o país. Algumas delas tornam o voto mais acessível. Outras – como a redução do número de locais de votação e mais exigências de identificação –, não. Também houve esforços para remover listas de votação em todo o país – muitas visando cidadãos naturalizados.
"Desde 2021, 32 estados apresentaram pelo menos 148 projetos de lei que teriam um impacto restritivo na manutenção de listas. Deste total, 11 se tornaram lei", aponta uma análise publicada em abril pelo Voting Rights Lab.
Além disso, o Comitê Nacional Republicano iniciou a iniciativa Protect the Vote (Proteja o voto). A ideia é recrutar e treinar 100 mil "observadores eleitorais" para monitorar os locais de votação. Na maioria dos lugares, eles não têm nenhuma autoridade, mas em alguns estados podem contestar a elegibilidade dos votantes.
O Voting Rights Lab se preocupa especialmente com alterações em estados-pêndulo (swing states), como Geórgia e Carolina do Norte. Na Geórgia, novas leis resultaram em contestações em massa de listas de eleitores, restrições ao voto por correspondência e um salto nas taxas de rejeição das cédulas. A Carolina do Norte tem agora as regras mais rígidas do país sobre o voto por correspondência, e os observadores partidários nas urnas receberam mais direitos, podendo agora interromper a atividade nas seções eleitorais.
Especialistas em eleições temem que líderes e cidadãos republicanos usem essas novas regulamentações para tentar anular votos ou se recusarem a certificar os resultados, se não gostarem do desfecho. E tudo isso torna a supervisão da eleição mais difícil para as autoridades regionais.
"Há certa verdade no fato de que os republicanos têm trabalhado para eleger apoiadores da 'grande mentira' de 2020 para cargos estaduais importantes. Nem todos têm sido bem-sucedidos, mas também houve tentativas de colocar esses apoiadores em cargos eleitorais menores", alerta Dan Mallinson, professor associado de políticas públicas e administração da Universidade Estadual da Pensilvânia em Harrisburg.
O que vai acontecer após o pleito
Após a eleição de 5 de novembro, todos os votos serão contados – no passado, alguns locais levavam dias ou semanas para concluir as apurações. Depois, os resultados precisarão ser certificados em nível local e estadual, antes de ser enviados ao Colégio Eleitoral e, posteriormente, ao Congresso. Quanto mais próximos os resultados, maior a chance de contestações.
O presidente dos EUA é escolhido pelo Colégio Eleitoral, que reúne 538 delegados estaduais indicados pelos estados e pelo distrito federal de Washington DC. Um candidato à presidência necessita vencer num número de estados que lhe garanta 270 delegados.
"Trump já está preparando a base retórica e legal para contestar a eleição", afirma Mallinson. Mas há o outro lado da moeda: se Trump for declarado vencedor em estados importantes para o Colégio Eleitoral, os democratas poderão adotar algumas das estratégias usadas pelo ex-presidente.
"Como os republicanos usaram de retórica e litígio para questionar as eleições, fica mais fácil para os democratas fazerem o mesmo", avalia o professor de políticas públicas. Para permitir que tudo isso se desenrole, há um período de quase 11 semanas entre a eleição e a certificação dos votos do Colégio Eleitoral, em 6 de janeiro de 2025.
O pior cenário possível
Se os estados atrasarem ou se recusarem a certificar a contagem, o resultado pode ser o caos, acredita Mallinson. Se um estado não certificar seus resultados a tempo para a contagem do Colégio Eleitoral, a Câmara dos Representantes dos EUA, controlada pelos republicanos, pode entrar em cena para decidir.
Uma contagem do Colégio Eleitoral dividida também iria para a Câmara, "onde cada delegação estadual dispõe de um voto para decidir em quem vota como presidente", explica Mallinson. E esse é um cenário que nunca aconteceu antes.
Por fim, a Suprema Corte poderia ter a última palavra, como fez em 2000, quando ficou ao lado de George W. Bush na disputa contra Al Gore.
O fato é que uma situação em que qualquer lado veja a eleição como injusta, ou pior, roubada, é ruim para a democracia. Isso apenas solidificará o partidarismo, dificultará o trabalho em sociedade e enfraquecerá os EUA, à medida que se aproxima o 250º aniversário da Declaração de Independência, em 2026.
Autor: Timothy Rooks