"Nossa vitória só foi adiada", diz Marine Le Pen

Ultradireitista Reunião Nacional elege maior bancada de deputados da sua história, mas não esconde decepção após ficar distante da maioria absoluta. Alianças de esquerda e centro foram decisivas para frear crescimento.

Por Deutsche Welle

O partido de ultradireita Reunião Nacional (RN) elegeu neste domingo (07/07) a maior bancada de deputados da sua história. Ao fim do do segundo turno das eleições legislativas francesas, a legenda garantiu e seus aliados garantiram 143 cadeiras na Assembleia Nacional, a câmara dos deputados do país.

Os números representam uma nova marca histórica para a RN, o partido da veterana Marine Le Pen, que contava com 89 deputados na última legislatura – que já era maior marca até então na trajetória de cinco décadas do partido.

No entanto, o resultado deste domingo foi visto com decepção entre militantes da RN, já que ficou bem abaixo da marca de 289 deputados necessária para garantir o controle da Assembleia – e consequentemente do governo francês. Ao todo, a Casa tem 577 cadeiras.

No final, a RN não apenas ficou distante da maioria, como ainda ficou atrás de dois blocos rivais: a aliança de esquerda Nova Frente Nacional (NFP), que elegeu a maior bancada; e o grupo político centrista do presidente Emmanuel Macron, agrupado na coligação Juntos.

A NFP elegeu 182 deputados. Já os macronistas reuniram 168. A RN, portanto, junto com alguns aliados da direita conservadora, vai contar com a terceira bancada.

Ainda assim, o resultado não deixa de ser uma marca histórica para a RN, a versão repaginada da Frente Nacional (FN), partido fundado em 1972 por neofascistas, ex-colaboradores nazistas e veteranos da Guerra da Argélia, entre eles Jean-Marie Le Pen, o pai de Marine.

Por décadas uma força marginal na política francesa do pós-guerra, a ultradireita nunca chegou tão longe em eleições legislativas desde a fundação da Quinta República francesa, em 1958.

Mesmo ficando na terceira colocação das bancadas, a RN obteve a maior fatia dos votos neste domingo: 32%, segundo os resultados oficiais, 5,4 pontos acima da NFP e quase 9 à frente do Juntos de Macron.

No entanto, o partido elegeu menos deputados por causa da particularidade do sistema eleitoral francês. A escolha da Assembleia Nacional não é feita no formato proporcional, mas é dividida em 577 disputas individuais. A maioria costuma ir para o segundo turno, no qual o mais votado leva a cadeira.

“Vitória adiada”

Após a divulgação das projeções, Le Pen tentou animar sua militância afirmando que o resultado foi de qualquer forma histórico para a RN e que a vitória da ultradireita “foi só adiada”.

Apesar de ter entrado no pleito legislativo com grandes expectativas, a RN não esconde que seu grande objetivo continua sendo vencer a próxima eleição presidencial, em 2027.

“A maré está subindo. Não subiu o bastante desta vez, mas continua subindo. Nossa vitória, na verdade, só foi adiada", disse Le Pen sobre os resultados da RN neste domingo.

Logo após o primeiro turno das legislativas, em 30 de junho, pesquisas chegaram a apontar que a RN tinha chances reais de conquistar mais de 289 deputados. Com isso, a França arriscava ter como primeiro-ministro Jordan Bardella, de 28 anos, o presidente nominal da RN e o indicado por Le Pen para o posto de chefia de governo no caso de uma vitória.

No primeiro turno, a RN havia sido, em termos percentuais, o partido mais votado, conseguindo, com seus aliados conservadores, 33% dos votos.

Movimentação do centro e da esquerda enfraqueceu RN no segundo turno

Neste domingo, após os resultados, Le Pen também reclamou das alianças táticas formadas entre os macronistas e a NFP que foram formadas em centenas de distritos para tentar barrar candidatos de ultradireita no segundo turno.

"Se não houvesse este acordo antinatural entre Macon e a extrema esquerda, o RN teria maioria absoluta", avaliou.

Após o primeiro turno, para impedir que a RN formasse maioria absoluta, o centro macronista e a esquerda da NFP retiraram da disputa mais de duas centenas de candidaturas que concorriam entre si com a ultradireita em disputas triangulares (que tinham mais de dois candidatos no segundo turno).

A estratégia visava concentrar em uma só candidatura do campo democrático os votos dos eleitores que não queriam ver a RN no comando da Assembleia. No total, a NFP retirou mais de 130 candidaturas. A coligação de Macron, mais de 80.

A tática parece ter sido eficaz, como mostraram as projeções deste domingo.

Além de Le Pen, Bardella também reclamou das táticas usadas pelos rivais para frear a RN.

Ele acusou Macron de jogar a França nos "braços da extrema-esquerda" e reclamou das alianças táticas entre a NFP e os macronistas para barrar a RN. "Os arranjos eleitorais entre um presidente isolado e uma extrema-esquerda incendiária não levarão o país a lugar algum", disse.

Candidatos-problema no segundo turno

No entanto, apesar do papel das alianças rivais para frear a RN, o partido de Le Pen enfrentou outros problemas na campanha-relâmpago do segundo turno.

Quando Macron fez seu anúncio surpresa de convocação das eleições, em 9 de junho, a liderança da RN afirmou que estava preparada. Mas a campanha mostrou que o partido teve que se desdobrar para preencher muitas de suas candidaturas.

A imprensa francesa logo revelou que alguns candidatos novatos que chegaram ao segundo turno haviam feito comentários racistas e antissemitas no passado.

Uma das candidatas da RN na Normandia, por exemplo, havia aparecido numa foto usando um quepe de oficial nazista.

Outros haviam glorificado o regime de Vichy (o governo fantoche instalado pelos nazistas na França durante a Segunda Guerra) e a organização de extrema direita OAS, um grupo terrorista dos anos 1960 que se opunha à independência da Argélia e que por diversas vezes tentou assassinar o ex-presidente Charles de Gaulle

Os episódios cercaram a RN de notícias negativas e levantaram acusações de que a legenda continua o mesmo partido extremista de sempre, e que as mudanças executadas por Marine Le Pen a partir dos anos 2010 para "normalizar" a legenda foram apenas cosméticas.

Autor: Jean-Philip Struck

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