Na dura vida nos campos do Sudão, refugiados etíopes não abandonam sua fé

Refugiados etíopes: maioria nos campos do Sudão é cristã

Da Redação, com Jornal da Band

Na terceira reportagem da série especial "Rota de Fuga", no Jornal da Band, o repórter Yan Boechat mostra os rituais de fé de um povo perseguido na África. 

Os homens avançam, empurram, disputam cada centímetro com a força bruta de seus corpos. No centro da roda os guardiões da água tentam afastá-los com bastões. Têm sucesso momentâneo. Então, a multidão já não pode ser contida. Mãos e garrafas se misturam. Sob o sol forte da savana africana, parece uma luta desesperada por água. Mas não se trata de desespero. Nem de luta. Nem de sede. É só fé. 

Em uma manhã quente de janeiro, milhares de refugiados etíopes comemoram a epifania do batismo de Jesus. A água que cai sobre as centenas de homens e mulheres está abençoada. Representa o Rio Jordão. A cada gota que molha o rosto e o corpo, gritos, sorrisos e cantos de júbilo. 

"As diferenças foram criadas pelo mal, pelo demônio. Na igreja ortodoxa não é permitido fazer diferenças entre nenhum grupo étnico”, explicou o padre Yohanes Huseba. 

Huseba é padre de uma das mais antigas e tradicionais igrejas do mundo cristão, a ortodoxa etíope. Os primeiros relatos de etíopes sendo convertidos ao cristianismo podem ser encontrados no novo testamento. De acordo com historiadores, a religião se tornou oficial nessa parte da África no Século IV. 

A bela igreja no campo de um Rakouba foi construída na década de 80 por outros refugiados. Uma igreja típica etíope, ortodoxa etíope. Com a chegada de milhares de novos imigrantes, os novos refugiados, a igreja estava cheia. 

O Sudão é um país muçulmano, enquanto a Etiópia é praticamente toda cristã e os tigrinos também. 

A mesquita erguida na mesma época atrai pouca gente. Por aqui, o cristianismo é a religião oficial. E a igreja, um ponto de conexão profundo dos refugiados com suas origens. 

A culpa une os tigrínios. Pelo menos os que vão ao local buscar conforto espiritual e clamar por misericórdia. Clérigos e fiéis, homens e mulheres, jovens e velhos. Há consenso de que a perseguição, a morte e o êxodo são castigos divinos. 

"Deus está nos punindo porque não estamos respeitando as regras dele. Só queremos saber de festas em vez de rezar e ir para igreja juntos, não estamos seguindo os exemplos do anjo Gabriel”, refletiu a refugiada Burthucan Bahir. 

Bahir mora longe da igreja, na extremidade oeste do campo de Rakouba. Vem até aqui só aos domingos. Mas há muitos devotos que diariamente acordam antes de o sol nascer para rezar e pedir a deus que volte a trazer paz para o Tigré. 

Nestiu Gabriehele fugiu quando um morteiro quase destruiu sua casa. Só conseguiu juntar quatro dos seis filhos. Dois ficaram para trás. Se vivos ou mortos, não tem ideia. Todos os dias vem à igreja pedir perdão a Jesus pelo que considera um erro de seu povo. 

"Se eles respeitarem a igreja e as regras de deus, é possível que deus pare com essa punição.", diz o padre Huseba. 

Em meio a tanta culpa e tanta tristeza, há também momentos de euforia. Após os sermões, os tigrínios cantam, dançam e celebram suas origens. Por séculos resistiram a toda sorte de pressões para abandonar sua fé. Se tornaram uma ilha de cristianismo numa parte majoritariamente muçulmana da África. 

Em uma cabana feita de madeira e feno ao lado da igreja, crianças são batizadas. Impossível não lembrar da manjedoura, onde Jesus teria sido apresentado aos reis magos como o salvador. A primeira epifania. Aqui uma nova geração de cristãos nasce para manter viva a tradição milenar dos tigrínios. 

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