Enem: Militância forçou ações para aumentar número de negros nas universidades

Pesquisadora da USP, Mabel Freitas analisou dados que mostram que estudantes negros superaram brancos, pela primeira vez, no ensino superior público

Por Édrian Santos

Enem: Militância forçou ações para aumentar número de negros nas universidades
Em 2018, negros superaram brancos no ensino superior público
Ricardo Stuckert/PR

Em 25 anos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) segue como a principal porta de entrada ao ensino superior gratuito, sobretudo em universidades federais e estaduais. Em alguns casos, o candidato pode até ser beneficiado com uma bolsa 100% paga pelo governo em instituições privadas. 

O prazo de inscrição para o Enem 2023 termina nesta sexta-feira (16). As provas serão dias 5 e 12 de novembro.

Na reportagem Enem faz jovens sonharem com doutorado, melhora de vida dos pais e até Nobel, a Band contou a histórias de três jovens que relataram verdadeiras transformações de vida após se submeterem ao exame e tirarem uma boa nota. Dois deles estão no doutorado, enquanto a outra, graduanda, sonha em fazer a diferença na vida dos pais por meio da educação.

No contexto citado no parágrafo anterior, em que jovens periféricos, sobretudo negros, não tinham perspectivas de vida, o Enem surgiu como uma oportunidade de virarem o jogo. Por outro lado, há quem questione a efetividade do exame na democratização do acesso ao ensino superior. É o que explica a pesquisadora em relações raciais Mabel Freitas, pós-doutora em educação pela USP.

Democratizar o acesso à universidade é criar um número de vagas em instituições públicas que inclua todas, todes e todos que desejam cursar o nível superior. Se, para iniciar a carreira acadêmica, as pessoas necessitam fazer um exame, trata-se de um processo seletivo e classificatório com dinâmica excludente.

Mais negros que brancos em universidades

Pela primeira vez, em 2018, negros representavam a maioria dos matriculados no ensino superior público, indica o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019. A espera foi demorada, apesar de o país ser formado majoritariamente pela população preta e parda, grupo ainda carente de serviços básicos, inclusive da educação, um direito de todos perante a Constituição.

De acordo com o IBGE, a proporção de negros nas universidades públicas chegou a 50,3% em 2018. Nesse contexto, a especialista ouvida pela Band argumenta que, para além do Enem e das políticas de ações afirmativas, o aumento desse grupo minoritário, do ponto de vista social, é resultado do protagonismo dos coletivos raciais.

Reitero que a presença preta na universidade é resultado da nossa secular militância. Somos protagonistas dessa conquista que refuta as teses da inferioridade intelectual e anomia social [dos negros].

Apesar dos dados positivos sobre negros nas universidades públicas, a base educacional brasileira ainda penaliza os pretos e pardos. O mesmo IBGE, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Educação 2022), indica que 70,9% dos jovens negros deixaram a escola motivados, principalmente, pela busca de trabalho. Isso mostra que a chance de ingressarem no ensino superior se distancia ainda mais.

Enem, Sisu e Lei de Cotas

Pode-se dizer que a Lei de Cotas, aprovada em 2012, foi resultado do empenho secular da militância citado por Freitas. A norma determina a destinação de 50% das vagas em instituições federais de ensino superior para candidatos oriundos de escolas públicas. Dentro deste montante, um percentual é reservado para pretos, pardos e indígenas com base no censo do IBGE.

“A grande forma de democratização, a gente não deve esquecer, foi a Lei de Cotas, que, de fato, possibilitou [mais no caso das universidades federais] a mudança do perfil das pessoas que estavam no campus. Então, o Enem faz parte dessas políticas que, de fato, abriram as portas da universidade para mais pessoas”, explicou o professor Francisco Soares, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Para o ex-presidente do Inep, atrelado ao Enem e à Lei de Cotas, o Sistema de Seleção Unificado (Sisu) também permitiu que a universidade se tornasse um universo mais diverso no que diz respeito aos grupos sociais.

Quando a gente fala do Enem, no fundo, a gente está falando do Sisu, que é um sistema de matrícula, de acesso, que coloca as vagas à disposição do estudante em um número muito grande de universidades. Isso, naturalmente, abriu possibilidades que antes não existiam.

Breve histórico

O Enem nasceu em 1998 com o objetivo de medir a proficiência dos alunos com o conteúdo do ensino médio. Na época, apenas 157 mil estudantes fizeram a prova. A partir de 2009, o exame foi adotado pelas universidades públicas como forma de ingresso nos cursos de graduação.

A partir daí, o Enem viveu um momento de prestígio. Em anos anteriores, a prova batia recordes. Em 2014, 8,7 milhões de candidatos se inscreveram, número bem superior aos 3,4 milhões de 2022. Ainda assim, o exame triunfa como o segundo maior do mundo, atrás apenas do vestibular, também nacionalizado, da China, o Gaokao, que teve 11,9 milhões de registros no ano passado.

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