Em 25 anos, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) segue como a principal porta de entrada ao ensino superior gratuito, sobretudo em universidades federais e estaduais. Em alguns casos, o candidato pode até ser beneficiado com uma bolsa 100% paga pelo governo em instituições privadas.
O prazo de inscrição para o Enem 2023 termina nesta sexta-feira (16). As provas serão dias 5 e 12 de novembro.
Na reportagem “Enem faz jovens sonharem com doutorado, melhora de vida dos pais e até Nobel”, a Band contou a histórias de três jovens que relataram verdadeiras transformações de vida após se submeterem ao exame e tirarem uma boa nota. Dois deles estão no doutorado, enquanto a outra, graduanda, sonha em fazer a diferença na vida dos pais por meio da educação.
No contexto citado no parágrafo anterior, em que jovens periféricos, sobretudo negros, não tinham perspectivas de vida, o Enem surgiu como uma oportunidade de virarem o jogo. Por outro lado, há quem questione a efetividade do exame na democratização do acesso ao ensino superior. É o que explica a pesquisadora em relações raciais Mabel Freitas, pós-doutora em educação pela USP.
Democratizar o acesso à universidade é criar um número de vagas em instituições públicas que inclua todas, todes e todos que desejam cursar o nível superior. Se, para iniciar a carreira acadêmica, as pessoas necessitam fazer um exame, trata-se de um processo seletivo e classificatório com dinâmica excludente.
Mais negros que brancos em universidades
Pela primeira vez, em 2018, negros representavam a maioria dos matriculados no ensino superior público, indica o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019. A espera foi demorada, apesar de o país ser formado majoritariamente pela população preta e parda, grupo ainda carente de serviços básicos, inclusive da educação, um direito de todos perante a Constituição.
De acordo com o IBGE, a proporção de negros nas universidades públicas chegou a 50,3% em 2018. Nesse contexto, a especialista ouvida pela Band argumenta que, para além do Enem e das políticas de ações afirmativas, o aumento desse grupo minoritário, do ponto de vista social, é resultado do protagonismo dos coletivos raciais.
Reitero que a presença preta na universidade é resultado da nossa secular militância. Somos protagonistas dessa conquista que refuta as teses da inferioridade intelectual e anomia social [dos negros].
Apesar dos dados positivos sobre negros nas universidades públicas, a base educacional brasileira ainda penaliza os pretos e pardos. O mesmo IBGE, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Educação 2022), indica que 70,9% dos jovens negros deixaram a escola motivados, principalmente, pela busca de trabalho. Isso mostra que a chance de ingressarem no ensino superior se distancia ainda mais.
Enem, Sisu e Lei de Cotas
Pode-se dizer que a Lei de Cotas, aprovada em 2012, foi resultado do empenho secular da militância citado por Freitas. A norma determina a destinação de 50% das vagas em instituições federais de ensino superior para candidatos oriundos de escolas públicas. Dentro deste montante, um percentual é reservado para pretos, pardos e indígenas com base no censo do IBGE.
“A grande forma de democratização, a gente não deve esquecer, foi a Lei de Cotas, que, de fato, possibilitou [mais no caso das universidades federais] a mudança do perfil das pessoas que estavam no campus. Então, o Enem faz parte dessas políticas que, de fato, abriram as portas da universidade para mais pessoas”, explicou o professor Francisco Soares, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Para o ex-presidente do Inep, atrelado ao Enem e à Lei de Cotas, o Sistema de Seleção Unificado (Sisu) também permitiu que a universidade se tornasse um universo mais diverso no que diz respeito aos grupos sociais.
Quando a gente fala do Enem, no fundo, a gente está falando do Sisu, que é um sistema de matrícula, de acesso, que coloca as vagas à disposição do estudante em um número muito grande de universidades. Isso, naturalmente, abriu possibilidades que antes não existiam.
Breve histórico
O Enem nasceu em 1998 com o objetivo de medir a proficiência dos alunos com o conteúdo do ensino médio. Na época, apenas 157 mil estudantes fizeram a prova. A partir de 2009, o exame foi adotado pelas universidades públicas como forma de ingresso nos cursos de graduação.
A partir daí, o Enem viveu um momento de prestígio. Em anos anteriores, a prova batia recordes. Em 2014, 8,7 milhões de candidatos se inscreveram, número bem superior aos 3,4 milhões de 2022. Ainda assim, o exame triunfa como o segundo maior do mundo, atrás apenas do vestibular, também nacionalizado, da China, o Gaokao, que teve 11,9 milhões de registros no ano passado.