Marielle: justiça só começa a ser feita após luta

Imagens dos familiares de Marielle e Anderson abraçados aos prantos depois de condenação de assassinos mostram importância desse momento, além da imensa força dessas famílias.

Por Deutsche Welle

"Julgamento é reparação, mas justiça seria minha mãe aqui." A frase é de Luyara Franco, filha de Marielle Franco, e foi dita logo depois que os dois assassinos confessos de sua mãe, Ronnie Lessa e Élcio de Queiróz, foram finalmente condenados. Luyara tem razão. Nada no mundo vai fazer com que deixe de ser extremamente injusto e cruel que Marielle Franco – vereadora, ativista brilhante e, principalmente, nesse caso, mãe de Luyara – tenha sido morta aos 38 anos com quatro tiros na cabeça.

Esse crime horroroso vai ser para sempre uma mancha de sangue triste na história do Brasil. E o fato das famílias de Marielle e do motorista Anderson Gomes terem que brigar mais de seis anos para que os culpados sejam punidos só torna o caso ainda mais revoltante e simbólico de como a violência política pode chegar tão longe e ser tratada com tamanho desdém no Brasil.

Mesmo assim, obviamente, é um alívio ver que o julgamento popular (um antigo pedido das famílias) aconteceu e que os réus confessos foram finalmente condenados. As cenas dos familiares de Marielle e Anderson abraçados aos prantos no tribunal depois que as sentenças foram divulgadas mostram o quanto esse momento é importante.

O julgamento também prova, mais uma vez, o quanto as famílias de Marielle e Anderson são fortes. Depois de tudo o que passaram, eles ainda tiveram que ouvir detalhes do crime e absurdos, como o assassino confesso Ronnie Lessa tendo a cara de pau de pedir desculpas para a família e falando que "ficou cego por causa do dinheiro", e por isso decidiu matar Marielle – como se matar uma pessoa fosse um trabalho como outro qualquer. Nessa hora, a filha de Marielle disse que "passou mal".

Ouvir a frieza dos assassinos doeu em qualquer pessoa que tenha um mínimo de sensibilidade. É assustador pensar que pessoas assim existem, que o crime está tão banalizado, e que o Rio de Janeiro virou uma "república das milícias", onde vários outros bandidos cruéis como Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz estão à solta.

Mas tudo isso não quer dizer que o julgamento não tenha sido histórico. Essa foi uma primeira resposta, não só para as famílias, mas também para todos no mundo que gritam há mais de seis anos e perguntam: quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson. "Esse era um grito que estava guardado", disse Anielle Franco, irmã de Marielle e ministra da Igualdade Social, depois da condenação.

Quem mandou matar

Agora, falta, obviamente, julgar os mandantes. Em março deste ano, mais de seis anos após o caso (e é importante repetir que é revoltante ter demorado tanto), os suspeitos de serem mandantes do crime, os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, foram finalmente presos, assim como o ex-chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa, acusado ser o mentor dos assassinatos. Também são réus o major Ronald Paulo Pereira e o policial militar Robson Calixto Fonseca.

O apontado como mentor, aquele que teve a ideia, era ex-chefe de polícia do Rio de Janeiro e teve inúmeras reuniões com a família de Marielle após o crime. Isso seria absurdo até se fosse mostrado em um filme.

Mas é a vida real do Rio de Janeiro e do Brasil, local onde policiais e políticos pensam que podem simplesmente assassinar uma vereadora oponente, uma mulher negra e defensora dos direitos humanos.

Todos os suspeitos fazem parte de grupos de poder do estado do Rio. A família Brazão é velha conhecida na política carioca. Domingos era conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e Chiquinho é, pasmem, deputado federal pelo partido União Brasil e tem foro privilegiado. Por isso, o caso vai ser julgado pelo STF. Há a possibilidade de que o julgamento aconteça ainda esse ano.

Mesmo que isso aconteça e que os mandantes sejam condenados, vai ser difícil falar em caso "solucionado". Muitas pontas ainda estão soltas. Seria preciso apurar todos os outros policiais e políticos envolvidos. E também explicar o motivo de o crime nunca ter sido solucionado durante o governo de Jair Bolsonaro e as possíveis ligações do ex-presidente e seus familiares com os envolvidos no caso.

Se depender da força das famílias de Marielle e Anderson, realmente, haverá algum tipo de justiça, ou melhor, de reparação.

No fim do julgamento, a família de Marielle e Agatha Arnaus, viúva de Anderson, deram uma entrevista juntos, extremamente emocionados. Com a voz embargada pelo choro e revolta, o pai de Marielle, Antonio Francisco, disse: "Isso não acaba aqui. Porque há os mandantes. E agora a pergunta é quando serão condenados os mandantes. Porque aquele choro que eles exibem, para mim não é um choro sincero. Choro sincero foi o nosso, porque perdemos a nossa filha, a Agatha perdeu o Anderson e a Mônica [Benício, parceira da vereadora] perdeu a Marielle. Esse choro nosso é sincero". Ainda bem que eles conseguem transformar o luto em luta.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

Autor: Nina Lemos

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