Mais coesa sobre Ucrânia, UE diverge sobre conflito em Gaza

Cúpula sobre conflito Israel-Hamas revela profundas divergências entre líderes europeus. Consenso é a necessidade de ajuda humanitária para palestinos, mas ações de Israel geram polêmica.

Por Deutsche Welle

Quase três semanas depois de o grupo radical islâmico palestino Hamas ter lançado ataques terroristas no sul de Israel, deixando cerca de 1.400 mortos, a maioria de civis, as perspectivas permanecem sombrias no Oriente Médio.

A reação de Tel Aviv foi decretar o bloqueio total à Faixa de Gaza, o território governado pelo Hamas, além de bombardeios retaliatórios em massa com o fim de dizimar a milícia islamista. O resultado está sendo um desastre humanitário e a morte de, no mínimo, 7 mil palestinos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza.

Neste ínterim, os guerrilheiros do Hamas estão mantendo como reféns mais de 220 israelenses e estrangeiros, e seguem lançando mísseis contra Israel. De ambos os lados, muitas das vítimas são crianças.

Enquanto isso, em Bruxelas, chefes de Estado e governo dos 27 Estados-membros da União Europeia (UE) reúnem-se nesta quinta-feira e sexta-feira (26-27/10) para discutir a situação no Oriente Médio. A prioridade é empregar seu peso coletivo para proporcionar assistência humanitária a Gaza e pressionar pela a libertação incondicional dos reféns.

Premiê irlandês: "Não estou obcecado com a linguagem"

No entanto, assim como nas últimas semanas, a reunião de cúpula revela divergências significativas dentro do bloco internacional. Embora toda a UE tenha condenado incondicionalmente os ataques do Hamas, alguns membros julgam a resposta israelense com mais rigor do que outros.

Antes do encontro – e ecoando declarações do secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres –, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, já exigira um cessar-fogo humanitário imediato a fim de possibilitar a ajuda à população de Gaza.

Outros, porém, expressaram receio de que um cessar-fogo pudesse interferir no direito israelense à autodefesa. Uma dessas vozes foi a da Alemanha, que tem respaldado Israel incondicionalmente na sequência dos ataques de 7 de outubro.

O chanceler federal alemão, Olaf Scholz, declarou à imprensa não ter dúvida de que o exército obedeceria às leis internacionais, já que "Israel é um Estado democrático com fortes princípios humanitários". Seu homólogo austríaco, Karl Nehammer, se disse convencido de que "todas as fantasias de cessar-fogo e de cessação das hostilidades resultaram no fortalecimento do Hamas".

Após cinco horas de debates – no que autoridades europeias descreveram como "um meio-termo" –, os líderes reunidos na capital belga divulgaram nesta quinta-feira uma declaração conjunta apelando por "corredores e pausas humanitários". Eles também condenaram mais uma vez a ofensiva do Hamas e se manifestaram por uma conferência internacional de paz "dentro em breve".

Ao chegar para a cúpula, o primeiro-ministro Leo Varadkar, da Irlanda, país considerado um dos mais decididos defensores dos palestinos na UE, comentou que não se importava muito quais palavras, exatamente, se escolhessem: "Não estou obcecado com que linguagem empreguemos. O que queremos é que a matança tenha fim, de modo que auxílio humanitário possa chegar a Gaza onde [...] palestinos inocentes estão sofrendo."

"Dois pesos e duas medidas"

A resposta da UE à eclosão de hostilidades armadas em Gaza tem sido um tanto ambivalente: após o 7 de outubro, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, viajou imediatamente para Tel Aviv, em demonstração de solidariedade.

Ao contrário do chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, contudo, a política alemã de centro-direita levou um certo tempo para lembrar que Israel deve se defender dentro dos limites do direito internacional, e também omitiu que a UE apoia oficialmente uma solução de dois Estados.

Na avaliação de James Moran, membro associado do think tank Centre for European Policy Studies (Ceps), as reações iniciais de certos líderes europeus foram "exageradamente pró-israelenses": "Acho que o mundo árabe reagiu bem mal a isso. Tradicionalmente, a UE tem conseguido manter uma abordagem mais ou menos equilibrada", conquistando assim respeito de ambos os lados, mas sobretudo do árabe, como uma "mediadora honesta".

Na quarta-feira, falando à emissora CNN, a rainha Rania, da Jordânia, acusou os líderes ocidentais de aplicarem "dois pesos e duas medidas de forma gritante": "Quando o 7 de outubro aconteceu, o mundo imediata e inequivocamente colocou-se ao lado de Israel e de sua autodefesa, e condenou o ataque ocorrido [...] Mas o que estamos vendo nas últimas semanas: estamos vendo silêncio no mundo."

Clareza para a Ucrânia, indefinição para o Oriente Médio?

Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em plena escala, em 24 de fevereiro de 2022, a UE logo projetou uma mensagem unificada. Em contraste, sua comunicação em torno do conflito em Gaza tem sido mais opaca.

"Isso realmente compromete aquela credibilidade", comenta Swasti Gao, do Instituto de Estudos de Defesa Manohar Parrikar, na Índia. "Você compreende que realmente há um limite para o que se pode esperar da Europa, porque internamente ela está dividida."

Nesta quinta-feira, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, respondeu frontalmente a essas ressalvas: "Não temos dois pesos e duas medidas. Temos um padrão fundamental, de acreditarmos no direito internacional."

Sem mencionar nomes, ele acusou alguns no mundo de estarem tentando se aproveitar da situação para "atacar" a UE e "instilar dúvidas" quanto a sua credibilidade. Contudo "nossa unidade será nosso melhor argumento quando estivermos interagindo com o Sul Global", assegurou o político belga.

Sim, mas: e a Ucrânia?

Nesse ínterim, a União Europeia também tem se apressado em dispersar temores de que estaria negligenciando a guerra no Leste Europeu: "Nós apoiamos a Ucrânia pelo tempo que for necessário", enfatizou Michel.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, compareceu em videochamada à cúpula em Bruxelas, a fim de expressar gratidão a diversos países da UE por sua assistência recente: "Agradeço a todos que estão fazendo todos os esforços para preservar a unidade. Unidade com a Ucrânia. Unidade dentro da União Europeia", escreveu no X (ex Twitter), resumindo sua declaração.

Dmytro Kryvosheiev, do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR, na sigla em inglês) afirma que, embora o conflito Israel-Hamas esteja dominando as atenções, ele não acredita que mudará seriamente a postura da UE quanto à Ucrânia.

"Claro, as relações Israel-Gaza são uma das questões cruciais para a política externa da UE, mas elas não representam uma ameaça tão direta à segurança europeia quanto a agressão russa contra a Ucrânia."

Por outro lado, a recente vitória eleitoral na Eslováquia do premiê Robert Fico, que prometeu sustar o envio de armas para o país invadido, representaria uma mudança potencial: "A Eslováquia, com Fico na liderança, pode se tornar o segundo país da UE [depois da Hungria] que mina a unidade do bloco no apoio a Kiev e à reação à agressão da Rússia contra a Ucrânia", avalia Kryvosheiev.

O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, cujo governo impediu a liberação de fundos europeus destinados à Ucrânia, gerou críticas recentemente ao apertar a mão do presidente russo, Vladimir Putin. Nesta quinta-feira, ele defendeu o encontro perante a imprensa, alegando que Budapeste "gostaria de manter abertos todos os canais de comunicação".

Nesta sexta-feira, os líderes da UE discutem como assegurar ajuda à Ucrânia no longo prazo, assim como meios para empregar ativos russos congelados em favor do país sob invasão.

Autor: Ella Joyner

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