Quando Letícia Rufino soube que a Justiça decretou que o Estado brasileiro pagasse parte da dose de Zolgensma para o filho Henri, ela sentiu que os seis meses de luta pelo medicamento valeram a pena. O bebê de quase sete meses foi diagnosticado com apenas 15 dias de vida com Atrofia Muscular Espinhal, a AME, do tipo 1, o mais grave da doença.
Na mesma semana em que o remédio de R$ 6 milhões foi liberado para o pequeno Henri, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decretou que a dose do medicamento fará parte do rol de tratamentos disponibilizados pelos planos de saúde. O remédio substitui a função do gene ausente ou não funcional que produz SMN, proteína que alimenta o neurônio motor.
Para Letícia, que usará uma vaquinha online e o auxílio do Estado para pagar a dose, a liberação pela ANS a deixou feliz, já que a procura pela dose milionária é uma corrida contra o tempo. “O medicamento só pode ser utilizado até os dois anos de idade, então quando soube da doença do Henri, apesar do baque, tive que já ir correr atrás. Agora, outros pais não vão precisar passar pelo o que passei”, conta.
A mãe de Henri explica que apesar da liberação da ANS, não conseguiria o remédio pelos planos de saúde. “Como a ANS liberou apenas para crianças com até seis meses, o Henri não poderia tomar, mas fico feliz pelas famílias que terão a facilidade de utilizar o medicamento", explica.
Segundo Pedro Deja, presidente do Instituto Paulistano de Neurocirurgia, a recomendação de seis meses da ANS ocorre devido à possibilidade de reversão da doença. “A taxa de sucesso com o Zolgensma está ligado à idade da criança, se sabe que quanto mais tarde começa o tratamento, menor a taxa de sucesso do tratamento”, explica. Deja pontua que o remédio será administrado às crianças de até seis meses, que estão fora da ventilação mecânica há mais de 16 semanas.
Apesar disso, a mãe de Henri informa que a comunidade de pais com filhos diagnosticados com AME seguirá na luta pelo medicamento. "Há diversos pacientes com até dois anos que podem usar o medicamento. Então o que queremos garantir é que se crianças de até seis meses podem tomar, as de dois anos possam tomar também”, pontua.
Para bebês mais velhos, Deja cita que é sim possível utilizar, mas há riscos. “Quanto maiores forem as sequelas neurológicas no início da utilização, piores serão os resultados”, afirma.
Esperança de uma vida normal
Letícia pontua que em até 20 dias o filho tomará a dose única do Zolgensma, o que traz a esperança de dias melhores na família. “A primeira resposta que eu espero é ele sair do respirador. Provavelmente será o respirador e sair da sonda. Mas eu espero que à longo prazo ele tenha uma vida normal, de ir para a escola, que não precise ser cuidado na cama, espero que consiga andar”, afirma.
Segundo o neurocirurgião Pedro Deja, a taxa de sucesso do medicamento está ligado à idade da criança e as sequelas que a AME deixou. “Na medida em que a doença evolui, a criança pode ter sequelas tão graves que não é possível mais revertê-las com o Zolgensma”, explica. No caso de Henri, Letícia diz que os médicos do pequeno esperam que ele tenha um crescimento atrasado, mas com uma vida plena e normal, na medida do possível.
Letícia diz que após a administração da dose, ela compartilhará os resultados da medicação pela página no Instagram que administra desde que começou a vaquinha. Hoje, o perfil de Henri tem mais de 250 mil seguidores e auxilia outras mães na luta pelo Zolgensma. “É a minha hora de ajudar, a rede de apoio é enorme e muitos querem saber da evolução dele, vou publicar todos os dias”, afirma.
Medicamento já era disponível pelo SUS
Em dezembro de 2022, o Ministério da Saúde aprovou o Zolgensma para tratar a AME, com os mesmos critérios utilizados pela ANS. Segundo Pedro Deja, o remédio foi incorporado ao rol de medicamentos após um processo intenso de avaliação. O registro do medicamento pela Anvisa levou em consideração diversos critérios.
“A comprovação de segurança em estudos pré-clínicos, comprovação de segurança e eficácia através de estudos clínicos e a de produção com requisitos de qualidade e boas práticas de fabricação, estudos de estabilidade e mecanismos de distribuição, avaliações de estratégias para cuidados aos pacientes e estratégias de monitoramento e gerenciamento de risco”, lista.
Para Deja, a entrada do medicamento no rol da ANS não facilita o uso do medicamento por médicos de planos de saúde. “Existem casos em que a utilização foi autorizada só através da judicialização”, explica, citando a situação em que pais entram na Justiça para obrigar planos de saúde a disponibilizarem o remédio sem maiores custos para a família.