Liz Truss: entenda os motivos da renúncia da primeira-ministra do Reino Unido

Plano econômico que previa radicais cortes tributários e empréstimos bilionários fizeram Liz Truss perder apoio de aliados e de investidores

Por Édrian Santos

Liz Truss se tornou mais uma primeira-ministra a renunciar ao cargo antes do prazo no Reino Unido. Em 2019, Theresa May pediu para sair após o fracasso na condução do Brexit. Já em 2022, a vez foi Boris Johnson, em meio a polêmicas sobre festas na pandemia e assédio de vice-líder contra homens.

O curto governo de Truss, em 45 dias, foi marcado pela morte da Rainha Elizabeth II e por um polêmico plano econômico que resultaria em empréstimo bilionário e radicais cortes tributários, o que desagradou investidores e membros do próprio partido. Com a previsão das medidas, a moeda britânica teve o menor valor histórico frente ao dólar. A inflação acumulada ultrapassou os 10%, maior dos últimos 40 anos.

As medidas anunciadas, segundo Truss, ajudariam a conter a alta na inflação britânica, puxada, sobretudo, pela energia, uma das consequências na guerra na Ucrânia. Além disso, o país se recuperava, economicamente, da pandemia da covid-19. De forma prática, a promessa da primeira-ministra era: fazer com que todos os britânicos pudessem pagar a conta de luz com a redução de taxas.

Truss reconheceu erros e pediu desculpas

Por outro lado, o plano não deu certo. A inflação continuou a crescer na medida em que a libra perdia valor. Em entrevista à rede britânica BBC, Truss reconheceu que errou na condução do plano econômico, tanto que pediu desculpas e demitiu o então ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng.

“Eu assumo a responsabilidade e quero pedir desculpas por erros que foram cometidos”, disse Truss à BBC. A premiê ainda ressaltou que foi longe demais na tentativa de ajudar a população a pagar as contas de energia, já que o governo abriria mão tributos sobre o serviço. “Fomos longe demais e rápidos demais”.

Na tentativa de manter a base de apoio no Parlamento, Truss nomeou Jeremy Hunt para o Ministério das Finanças. Ele é aliado de Rishi Sunak, principal adversário da então deputada na corrida para o Downing Street, sede do governo. Mas a crise seguia.

Ministra do Interior se demite

Na última quarta-feira (19), mais um ministro deixou o cargo. A renúncia da vez foi de Suella Braverman, então ministra do Interior, ex-aliada de Truss. Há relatos de que gritos foram ouvidos por quem estava perto da sala onde ambas conversavam.

Outra situação vexatória para Truss tem a ver com ministros que pegavam parlamentares pelo braço para que votassem a favor de uma proposta do governo sobre extração de combustível do solo. Os relatos de gritos, intimidações e ameaças para quem se opusesse ao governo circulam entre corredores do Parlamento e do Downing Street.

“Nova Dama de Ferro”

Admiradora de Margaret Thatcher, Truss foi tida como a “Nova Dama de Ferro”. Outra bandeira da premiê é o Brexit, política que defende até com mais intensidade que o antecessor Boris Johnson, segundo avaliam especialistas consultados pela Band, além de apoiar ações mais duras contra a imigração.

Nas eleições internas do Partido dos Conservadores para a escolha do substituto de Johnson, Truss recebeu 57,4% dos votos dos membros da legenda contra 43% do oponente Rishi Sunak.

Atuação política e profissional de Truss

O último cargo de Truss antes da liderança do Partido dos Conservadores foi de secretária das Relações Exteriores do Reino Unido. Anterior a esse posto, ela chefiou o Ministério das Mulheres e Igualdade. Eleita deputada em 2010 e com 47 anos, a nova premiê estudou filosofia, política e economia na Universidade de Oxford.

Truss ocupou importantes cargos no governo britânico. Ela foi subsecretária de Estado Parlamentar para Educação e Assistência Infantil (2012), secretária de Estado para Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais (2014-2016), além da nomeação como Lorde Chanceler e Secretária de Estado da Justiça (2016-2017). A política também foi secretária-chefe do Tesouro entre 2017 e 2019.

Casada e mãe de dois filhos, Truss também trabalhou no setor de energia e telecomunicações, além da experiência de 10 anos como gerente comercial e diretora econômica.

Posse de Truss em meio à polêmica saída de Johnson

Truss renuncia ao governo 45 dias após ser empossada pela rainha Elizabeth II, em 6 de setembro de 2022. O próprio governo dela surgiu em meio à polêmica saída de Boris Johnson, marcada pelas festas ilegais do então premiê durante a pandemia, chamadas de “Partygate”.

A gota d’água envolveu denúncias de assédio contra deputado conservador Chris Pincher, um dos principais aliados do então primeiro-ministro e indicado a vice-líder do Partido Conservador. Homens relataram que foram apalpados em festa da legenda, o que desencadeou outras acusações semelhantes.

Boris Johnson sabia de acusações de assédio envolvendo Pincher desde 2019. Ainda assim, nomeou-o para ser vice-líder da bancada conservadora. Ao parlamento, o primeiro-ministro ocultou a informação, até que, pressionado, confessou.

Escolha de novo premiê

Truss fica no cargo até a eleição do novo primeiro-ministro. Segundo ela, lideranças do partido devem discutir a escolha na semana que vem. Como de praxe, o rei Charles III já foi informado da renúncia. Em discurso na manhã desta quinta-feira (20), a governante prometeu manter a estabilidade econômica do Reino Unido.

“Esta manhã encontrei o presidente do Comitê de 1922, Sir Graham Brady. Concordamos que haverá uma eleição de liderança a ser concluída na próxima semana. Isso garantirá que continuemos com um nome para entregar nossos planos fiscais e manter a estabilidade econômica e a segurança nacional de nosso país. Permanecerei como primeira-ministra até que um sucessor seja escolhido”, disse Truss.

O que diz a legislação

A legislação britânica prevê que o partido com mais cadeiras no Parlamento, como é o caso do Partido dos Conservadores, tenha o direito de escolher o novo primeiro-ministro. Neste caso, apesar da renúncia, Truss só deixará o posto após conclusão do processo eleitoral, bem como ocorreu há quase um mês e meio com a saída de Johnson.

A renúncia de Truss marca o menor tempo que um líder ocupou o cargo de primeiro-ministro do Reino Unido desde 1834, quando Arthur Wellesley saiu da posição após 23 dias, entre 14 de novembro e 10 de dezembro de 1834. Ele, no entanto, já havia ocupado o posto por dois anos, entre 1828 e 1830.

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