Centenas de milhares de torcedores acorreram à Alemanha para a Eurocopa 2024 e, a fim de garantir a segurança do torneio de futebol, realizaram-se controles por amostragem nas fronteiras com outros países da União Europeia. Agora discute-se no país se seria adequado manter esse tipo de fiscalização em caráter temporário.
A abolição dos controles é um componente central da unificação da Europa e pilar do mercado interno, permitindo a livre circulação de pessoas, bens, capital e serviços. Nas palavras da vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, poder viajar sem barreiras nem postos de pedágio "permanece sendo uma das joias da coroa da integração europeia".
Em 1985 firmou-se na cidade de Schengen, em Luxemburgo, o primeiro acordo para abolição de controles nas fronteiras de cinco países europeus. Na Alemanha, as regras entraram em vigor em 1995. Atualmente a medida é adotada por 25 países da UE (Irlanda e Chipre se eximiram), mais Islândia, Liechtenstein, Noruega e Suíça. Nos limites desse "Espaço de Schengen", a legislação europeia, a rigor, interdita controles pessoais: exceções temporárias só são permitidas sob condições rigorosamente restritas.
Anualmente 420 milhões de cidadãos da UE se beneficiam da liberdade de circulação da Zona de Schengen, assim como 500 milhões de viajantes de outros países. Para que os Estados-membros possam renunciar à fiscalização fronteiriça interna, foi preciso se estabelecerem mecanismos para as fronteiras externas segundo critérios consensuais.
No entanto a eficiência dessas barreiras tem sido questionada. Diversos ministérios do Interior europeus consideram insuficiente a proteção das fronteiras externas, sobretudo desde 2015, quando começaram grandes ondas migratórias do Oriente Médio para a UE, através da Grécia e da Itália.
Em outubro de 2023, criticando como fácil demais o ingresso sem passaporte nem visto, o ministro do Interior da Áustria, o conservador-cristão Gerhard Karner, sentenciou: "Schengen nunca esteve tão quebrado como agora."
Postos fronteiriços só em último caso
Em reação, os países de entrada e trânsito de migrantes ao longo da rota dos Bálcãs retomaram os controles fronteiriços recíprocos, como já ocorre regularmente entre a Áustria e a Alemanha desde 2015. A França igualmente procura se proteger desse modo desde os devastadores atentados terroristas de 2015 e 2016.
Em seu relatório anual sobre o estado da Zona de Schengen, a Comissão Europeia enfatiza que as medidas em diversas fronteiras internas da UE não costumam ter o caráter de "controles sistemáticos" de todos os viajantes.
Via de regra, pratica-se apenas fiscalização visual em algumas autoestradas ou trechos ferroviários, só alguns suspeitos selecionados e examinados minuciosamente. Esse tipo de controle, em princípio, não causa grandes atrasos ou engarrafamentos.
Se possível, deve deixar-se de fora caminhões e outros transportes de mercadoria, assim como os que trafegam regularmente entre dois países por razões de trabalho, prossegue o órgão legislativo da UE.
Como alternativa, a Comissão sugere patrulhas mistas de diversos países que, em pontos improvisados, antes das fronteiras, examinariam documentos e vistos. Outra possibilidade são "buscas veladas", com controles pessoais numa faixa de 30 quilômetros de ambos os lados das fronteiras, mesmo sem que haja suspeitas concretas.
O Código de Fronteiras de Schengen foi recentemente revisto e aprovado por todos os países signatários. Dele consta que postos fronteiriços permanentes visíveis só devem ser empregados "como último dos meios".
Eles só são permitidos em circunstâncias de perigo excepcionais ou em grandes eventos planejáveis, como Jogos Olímpicos, cúpulas do G7 ou, como há pouco, torneios de futebol. Como deliberou o Tribunal de Justiça Europeu, as medidas são restritas a seis meses e devem ser justificadas individualmente.
Contornando Schengen
Na prática, contudo, vez por outra os Estados-membros prorrogam as medidas extraordinárias com explicações vagas, como pressão migratória, perigo terrorista, considerações de segurança após a invasão da Ucrânia pela Rússia, ou agravamento do terrorismo com os ataques de 7 de outubro de 2023 pelo Hamas e as retaliações por Israel.
O Código de Schengen contém ainda uma cláusula de emergência: caso uma fronteira externa seja trespassada por grande número de migrantes, por exemplo, os signatários podem mandar monitorar suas divisas internas sem grandes anúncios. A Comissão Europeia tem urgido repetidamente os governos nacionais a restringirem ao mínimo os controles de fronteira, mas não tem meios de implementar a diretriz.
As polícias europeias têm acesso ao Sistema de Informações de Schengen (SIS), onde todos os países-membros depositam seus dados relativos mandados de prisão, assim possibilitando controles por toda a Europa, e não só nas fronteiras nacionais. Políticos conservadores e neoliberais e sindicatos policiais da Alemanha alegam que o SIS teria sido muito eficiente durante a Eurocopa, e reivindicam sua utilização nas fronteiras internas da UE.
Sob condição de anonimato, fontes da Comissão Europeia rebatem, contudo, que esse sucesso de segurança também se deveu à mobilização de 22 mil policiais extras e à realização de 800 mil controles pessoais em autoestradas, estações ferroviárias e outros pontos nevrálgicos.
Esse argumento coincide com um parecer da Comissão Europeia, em seu relatório sobre o Espaço de Schengen, segundo o qual seria mais eficiente por exemplo, combater o narcotráfico na raiz – como nos grandes portos de Amsterdam, Antuérpia ou Hamburgo –, e não só nas fronteiras internas de Schengen. Em princípio, os Estados-membros concordam e iniciaram planos de ação por uma melhor fiscalização portuária.
A Estatística Policial do Departamento Federal de Investigações Criminais (BKA) da Alemanha aponta uma queda da criminalidade no país desde a implementação do Acordo de Schengen: em 1995 a polícia registrou 6,6 milhões de delitos, em 2023 foram 5,9 milhões.
Autor: Bernd Riegert