Caso das joias: o que diz a legislação sobre presentes recebidos por presidentes

Lei no Brasil sobre a conduta de presidentes ao receberem presentes de autoridades estrangeiras já foi modificada 3 vezes

Marco Rosa

Caso das joias: o que diz a legislação sobre presentes recebidos por presidentes
Kit de joias está entre os presentes recebidos por Bolsonaro que são alvo de investigação
Reprodução

Os presentes recebidos por Jair Bolsonaro (PL) de governos de outros países no período em que ocupou o cargo de presidente do Brasil (2019 a 2022) viraram alvo de investigação da Polícia Federal e têm gerado debate sobre a legislação em torno do assunto. Enquanto existe a acusação de incorporação de bens públicos, o entorno do ex-presidente alega que as joias são itens pessoais e não deveriam ir para o acervo da Presidência da República.

Além da questão sobre a quem pertencem os presentes, investigações da PF indicam que um kit de joias masculinas recebidas pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em 2021, estavam à venda em um site de leilões nos Estados Unidos até fevereiro desse ano, com valores que poderiam partir de R$ 245 mil e chegar até a quase R$ 700 mil.  

Parte das joias foi devolvida ao Estado brasileiro após determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), no final de março desse ano, após não terem sido arrematadas em leilão. Já um relógio de luxo da marca Rolex foi vendido ilegalmente em território americano e recomprado pelo advogado do ex-presidente, Frederick Wassef, após a decisão do TCU. Segundo ele, o negócio foi feito em dinheiro vivo. Outros itens também foram negociados no exterior e são alvo das investigações.

O que diz a lei brasileira

Ao longo da história, a legislação no Brasil sobre a conduta de presidentes da República ao receberem presentes de autoridades estrangeiras já foi modificada três vezes. A primeira regulamentação sobre o tema foi feita no penúltimo dia de 1991 pelo então presidente Fernando Collor. A lei 8.394 foi feita com o intuito de proteger o patrimônio público de presidentes, mas não cita especificamente presentes, e sim "acervo privado".

"Os documentos que constituem o acervo presidencial privado são na sua origem, de propriedade do Presidente da República, inclusive para fins de herança, doação ou venda", diz o documento, fazendo a distinção de acervos documentais. "Os acervos documentais privados integram o patrimônio cultural brasileiro e são declarados de interesse público e são sujeitos às seguintes restrições: em caso de venda, a União terá direito de preferência; e não poderão ser alienados para o exterior sem manifestação expressa da União".

Sem citar os presentes, o tema se tornou interpretativo, mas deixou claro que os acervos documentais privados teriam a participação do Arquivo Nacional, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC), Museu da República, Biblioteca Nacional e Secretaria de Documentação Histórica do Presidente da República.  

Com a indefinição, o tema voltaria a ser discutido em 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso, por meio do decreto 4.344. A norma seguiu na linha de preservar o acervo privado a partir de sua diplomação, "independentemente de o documento ter sido produzido ou acumulado antes, durante ou depois do mandato presidencial".  

No entanto, foi a primeira vez em que a legislação tratou de "troca de presentes" entre autoridades: foram considerados acervos da União "os documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de governo por ocasião das visitas oficiais ou viagens de Estado do presidente da República ao exterior, ou quando das visitas oficiais ou viagens de Estado de chefes de Estado e de governo estrangeiros ao Brasil".

Mesmo com a legislação sendo mais específica, a confusão não acabou. A interpretação voltou a causar divergências, já que alguns membros do Estado consideravam que o decreto servia apenas para trocas de presentes entre autoridades, sendo assim, acreditavam que outros presentes poderiam ser incorporados ao patrimônio privado do presidente da época.  

Foi quando, em 2016, o TCU entrou em ação e se manifestou sobre o tema de forma definitiva (até o momento). O acórdão 2255 estabeleceu que sejam incorporados "ao patrimônio da União todos os documentos bibliográficos e museológicos recebidos pelos presidentes da República, nas denominadas cerimônias de troca de presentes, bem assim todos os presentes recebidos, nas audiências com chefes de Estado e de governo, por ocasião das visitas oficiais ou viagens de estado ao exterior, ou das visitas oficiais ou viagens de estado de chefes de Estado e de governo estrangeiros ao Brasil, excluídos apenas os itens de natureza personalíssima ou de consumo direto pelo presidente da República".

Entre os "itens de natureza personalíssima", o Tribunal exemplificou como "bonés, camisas, camisetas, gravata, chinelo, perfumes, etc". Já dois anos depois, uma portaria assinada pelo então ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República de Michel Temer (MDB), o ex-deputado Ronaldo Fonseca, descrevia como itens de cunho pessoal condecorações, vestuários, artigos de toalete, roupas de casa, perecíveis, artigos de escritório, além de joias, semijoias e bijuterias. No entanto, a medida não tinha validade legal, já que havia um entendimento anterior do TCU sobre o tema. Em 2021, essa mesma portaria foi revogada pelo então presidente Bolsonaro.

Quais são os presentes recebidos por Bolsonaro?

A investigação da PF aponta que presentes de alto valor foram incorporados ao patrimônio pessoal de Bolsonaro e, alguns deles, negociados com fins de enriquecimento ilícito. Entre eles estão dois relógios - um da marca suíça Rolex, acompanhado por joias, e outro da marca suíça Patek Philippe -, duas esculturas douradas folheadas a ouro e um kit da marca suíça Chopard. Os próprios investigadores não descartam que mais peças sejam identificadas.

O relógio Rolex e as joias foram recebidas em viagem oficial à Arábia Saudita em outubro de 2019. O kit continha além do Rolex de ouro branco com diamantes, um anel, abotoaduras e um rosário islâmico. Tratam-se de presentes ofertados pelo rei da Arábia Saudita, Salman bin Abdulaziz Al Saud. Os itens foram negociados fora do Brasil e resgatados em Miami (EUA) pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid e pelo advogado Frederick Wassef para serem entregues à Caixa Econômica Federal.

O relógio Patek Philippe foi recebido durante visita oficial de Bolsonaro ao Bahrein em novembro de 2021, segundo investigações da PF. O item acabou sendo negociado junto com o Rolex por US$ 68 mil (R$ 346.983,60 na cotação da época) e não foi resgatado pois não tinha registro.

Também teria vindo do Bahrein a escultura de barco folheada a ouro, provavelmente em um seminário com empresários árabes e brasileiros, segundo a PF. A outra escultura em formato de palmeira não teve a origem identificada na investigação. As duas peças foram enviadas a Orlando em voo oficial e encaminhadas a lojas especializadas, mas foram mal avaliadas por serem apenas folheadas e não de ouro maciço.

Já o kit da Chopard foi recebido pelo então ministro Bento Albuquerque durante viagem à Arábia Saudita. O próprio ministro trouxe ao Brasil em sua bagagem sem declarar os itens. Segundo a PF, o kit saiu do Brasil no penúltimo dia do mandato de Bolsonaro e no mesmo voo oficial que levou a família à Flórida (EUA). Os presentes foram levados a uma casa de leilão, mas não foram arrematados. Os bens foram resgatados após ordem do TCU e entregues à Caixa.

E os presentes dados a Lula e Dilma?

Além de definir o destino de presentes ganhos por presidentes da República, o acórdão do TCU de 2016 ainda pediu identificação e localização dos presentes recebidos por ex-presidentes em até 120 dias e a incorporação ao patrimônio da União. O relatório apontou que 568 bens foram recebidos por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e 144 por Dilma Rousseff (PT) durante seus mandatos entre 2003 e 2016 e deveriam ser incluídos no Sistema de Gestão de Acervos Privados da Presidência da República-Infoap.  

Após uma série de auditorias para identificar os itens, ao todo, os petistas tiveram que devolver 472 itens, a maioria obras de arte. Desses, apenas oito do acervo de Lula não foram localizados e, dessa forma, o então ex-presidente pagou à União o montante de R$ 11.748,40, valor estimado de acordo com os registros do Infoap.

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