Jovens de periferia mentem o bairro onde moram para obter emprego, diz estudo

Pesquisa sobre desigualdade realizada com 600 jovens de São Paulo revela que 26% dá outros bairros como referência nas entrevistas

Por Paula Marolo

Jovens de periferia mentem o bairro onde moram para obter emprego, diz estudo
Geovanna Nogueira mora no Jardim Aracati, a 40 minutos da estação Capão Redondo do Metrô
Arquivo pessoal/Google Maps

Ensino interrompido, preconceito e distância são apenas alguns desafios que os jovens de periferia enfrentam no mercado de trabalho. O estudo “Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo”, feito pelo Juventudes Potentes e a Rede Conhecimento Social, expõe o cenário de exclusão e falta de opção para jovens de periferia na hora de buscar uma vaga de emprego.

Metade dos jovens acreditam que existem poucas vagas perto de onde moram, o que faz com que precisem procurar em regiões distantes. E alguns chegam até a mentir sobre o bairro que moram (26%).

A pesquisa, que escutou 600 jovens das zonas sul e Leste da cidade, entre 15 e 29 anos, contou com a participação deles não apenas como respondentes, mas também como pesquisadores.

A 40 minutos do metrô

A estagiária Geovanna Nogueira já teve que explicar várias vezes onde fica o bairro que mora, então para facilitar acaba dando outro bairro próximo como referência. 

“Normalmente quando as pessoas me perguntam onde moro, eu sempre dou a referência do Jardim Ângela. As pessoas não conhecem os bairros que são mais afastados, então sempre dou a indicação do Jardim Ângela e quando a pessoa não conhece, eu ainda falo do Capão Redondo, que está bem longe da minha casa. ”

Ela mora no Jardim Aracati, extremo da zona sul, e conta que a estação de metrô mais próxima fica a 40 minutos da casa dela e que já chegou a demorar até duas horas para chegar em uma entrevista.

“Isso contribui bastante para o nosso distanciamento do centro da cidade, que é onde estão concentradas as oportunidades”. E não são apenas as vagas de emprego que estão distantes, o acesso à cultura também se concentram no Centro. “A gente não se vê nesses territórios, a gente não se vê. Então vai além do acesso. É questão de pertencimento. ”

Nove em cada dez entrevistados acreditam que “existe um processo de desigualdades sociais históricas que atinge algumas pessoas e grupos e as mantém em condições menos favoráveis que outras”. E as dificuldades começam na idade de entrada no mercado de trabalho: 42% deles começaram a trabalhar antes dos 16 anos, ou seja, ainda em idade escolar.

Primeiro emprego

A entrada no mercado de trabalho com esta idade indica que estes jovens não vão conseguir se dedicar exclusivamente a jornada escolar. Não necessariamente é uma escolha, muitas vezes é por uma questão familiar ou uma gravidez precoce, alerta Nayara Bazzoli, gerente do Juventudes Potentes, responsável pela pesquisa.

"Não é um trabalho que necessariamente vai somar um conhecimento técnico. É um trabalho situacional e de necessidade. Esse jovem vai encarar o mercado de trabalho competitivo com outros que provavelmente não precisaram dividir as suas jornadas de vida entre um trabalho para sustento e a escola."

Os entrevistados apontam que frequentemente são avaliados com base em características pessoais e sociais estigmatizadas nos processos seletivos. Os recrutadores avaliam aparência, maneira de se vestir, de se expressar e o bairro onde vivem. Além disso, 39% já se sentiram subestimados por conta do lugar onde estudaram.

Outros desafios

A infraestrutura dos bairros de periferias também prejudica os jovens que buscam uma vaga de emprego. Falta de água, luz e alagamento foram apontados com frequência na pesquisa. Ainda que sete em cada dez jovens se sintam seguros no bairro que moram, a sensação de insegurança afeta sobretudo mulheres e pessoas LGBTQIAPN+: 5 de cada 10 mulheres não se sentem seguras em chegar tarde em casa e 3 a cada 10 jovens LGBTQIAPN+ não se sentem seguros no bairro que moram.

Segundo a pesquisa, 42% levam mais de uma hora para chegar ao Centro e 60% já se sentiram prejudicados por passar muito tempo no transporte. Sendo que 68% relatam já ter ficado sem dinheiro para pegar transporte. Mesmo que gostem do bairro e se sintam seguros, se o jovem demora horas para chegar no trabalho, já começa o dia sobrecarregado e cansado. Ou seja: sempre estará em desvantagem.

“O distanciamento dos grandes centros urbanos, onde se concentra a maioria das empresas, é uma questão que poderia ser resolvida com horários de entrada diferenciados”, sugere Nayara. É uma pequena mudança, mas já evitaria o horário de pico, por exemplo.

Escolaridade

A pesquisa também abordou as dificuldades em finalizar os estudos. Segundo a pesquisa, 21% já abandonaram as salas de aula por dificuldades de conciliar estudo, trabalho e responsabilidades do lar. Dos que já pensaram em largar os estudos (44%), o motivo mais predominante é a maternidade e paternidade.

Mesmo assim, 78% pretende continuar ou retomar os estudos em algum momento. Apontam que a educação é caminho para o crescimento e qualificação profissional. Os entrevistados relatam ainda que diante da realidade que vivem, os cursos livres são a chance mais próxima de avançarem na área que já trabalham.

Os jovens pesquisadores ficaram responsáveis por formular as perguntas do estudo. A ideia era extrair melhor as respostas do público analisado e nada melhor do que jovens que conheçam a realidade pesquisada.

Para Bazzolli, essa conexão fez toda a diferença para a conclusão da pesquisa. “Ter um jovem pesquisador entrevistando significa uma pessoa da mesma realidade que ele, que tem o mesmo tipo de desafio, de renda, que passou pelas mesmas situações. Cria um nível de empatia muito necessário para que a gente consiga coletar as respostas.”

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