Sonhar com rei, dá leão? Veja história do Jogo do Bicho, que pode ser legalizado

Sorteio criado para incentivar visita ao zoológico no Rio de Janeiro no século XIX hoje tem influência nas comunidades e laços como crime organizado

Por Fernando David

Sonhar com anjo, dá borboleta e sonhar com rei, dá leão. O universo dos sonhos não é tão literal nas dicas, por isso, saber interpretar sonhos é um dos pré-requisitos para apostar no Jogo do Bicho. As apostas são tão populares, que até foi enredo campeão da Beija-Flor em 1976. 

Mas o jogo em si nasceu muito antes, no século XIX, quando o Barão de Drummond teve a ideia de imprimir nos ingressos do recém-inaugurado Jardim Zoológico do Rio de Janeiro a figura de 25 animais do parque e sortear um dos animais, com o objetivo de incentivar visitas no local. O vencedor do sorteio levava para casa o prêmio de 20 mil réis. 

Mas os animais do ingresso fugiram do zoológico, como explica o historiador Luiz Antonio Simas. "A loteria saiu dos portões e logo se via gente vendendo bilhete na Rua do Ouvidor, no botequim na zona do meretrício", conta. Na avaliação dele, o jogo foi proibido por ser uma "loteria de pobre". "Era de pobre, preto, no Rio de Janeiro republicano, que tentava atacar e disciplinar as manifestações de pobres e pretos no pós-abolição", avalia. 

A proibição, no entanto, não impediu o Jogo do Bicho de seguir expandindo os tentáculos na cidade. Logo, os apontadores chegaram, como conta o professor da UFRRJ, Felipe Magalhães. "As pessoas montavam as bancas e montavam os sorteios, não tinha uma ideia de sorteio unificado. O apontador na época vencia três vezes o valor de um salário mínimo, então o cara deixava de ser garçom para ser apontador do jogo do bicho", conta. 

Os primeiros grandes banqueiros surgiram neste período. De um lado, eles se valiam da força para dominar os pontos, do outro, usavam o dinheiro do bicho para se legitimar no território, distribuindo remédios, brinquedos para as crianças, para conquistar o coração da comunidade. E, para conquistar mesmo a população, nada melhor que virar patrono de escolas de samba. 

Foi o que Natal da Portela fez, um dos bicheiros mais poderosos da história do jogo, tomando conta da área em Madureira, na Zona Norte do Rio de Janeiro. De origem humilde, Natal saiu de São Paulo para a capital fluminense e sem conseguir trabalho por ter um braço amputado após um acidente, acabou virando apontador do bicho e dominando toda a região. 

Rico e poderoso, o bicheiro tinha o curioso hábito de pagar o enterro de conhecidos que morriam. Bernard Nascimento, bisneto de Natal, conta que o bisavô tinha o sonho de abrir uma funerária em Madureira. "Ele queria que todos pudessem fazer o enterro de graça. Vira e mexe escuto relatos de pessoas que meu bisavô fez o enterro do avô, do pai. Ele tinha o coração do tamanho do mundo. Mas se precisasse virava uma águia que é o nosso símbolo para voar em cima dos objetivos", afirma. 

Mas com a morte de Natal nos anos 1970, a 'era romântica' da contravenção e do Jogo do Bicho acabou. A formação da cúpula, as relações com o crime organizado e as guerras entre as famílias foram um marco e uma mudança na cena das apostas. 

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