Desde 1940, vítimas de estupro e mulheres para quem a gravidez representa um risco de vida podem interromper a gestação. É o aborto garantido por lei. Em 2012, foi incluída a gravidez de fetos anencefálicos, ou seja, sem cérebro, que não têm chances de sobreviver.
“No aborto que é legal hoje, já temos uma série de barreiras. Uma delas é o fato de que menos de 3% dos municípios brasileiros tem serviços de aborto legal”, explicou a ginecologista obstetra Mariana Persi.
O aborto é proibido no Brasil exceto nos casos previstos por lei. Atualmente, não há, no Código Penal, um prazo máximo para que a legalização aconteça.
Ao fixar um período de 22 semanas, o projeto de lei faz com que muitas mulheres deixem, imediatamente, de acessar esse direito, penalizando, principalmente, situações de maior vulnerabilidade, como crianças, adolescentes e mulheres que vivem nas áreas mais distantes e têm acesso restrito aos serviços de saúde.
“Quanto mais vulnerável a pessoa for em relação ao acesso ao direito, mais ela vai demorar, porque está numa situação de encarceramento e violência. Quando alguém precisa de ajuda, demora muito tempo para chegar ao serviço e, muitas vezes, chega acima de 22 semanas. São essas pessoas que estamos vitimizando, caso a legislação retroceda, que é o objeto do PL para antes de 1940”, explicou a médica.
De acordo com a jurista Ives Gandra Martins, “não pode prevalecer um código que é legislação ordinária”.
“Se a constituição diz que o direito à vida é inviolável, se tem condições de vida extrauterina, não pode prevalecer um código que é legislação ordinária e de 1940, sobre uma lei aprovada, uma lei suprema, a lei maior que é a Constituição Federal”, completou.
No país, 6 em cada 10 mulheres vítimas de estupro têm até 13 anos de idade. O estuprador, geralmente, é alguém próximo. E quando a gravidez é descoberta, não é raro que já tenha excedido o prazo de 22 semanas.
Para a advogada Maira Rechia, a mudança na lei é um retrocesso no direito das mulheres, que se tornam novamente vítimas de uma violência.
“Ela será processada e, eventualmente, condenada com base nas mesmas penas do homicídio simples, e isso é muito grave. É o que a gente fala que coloca a vítima no banco dos réus. Quando o processo legislativo é usado para mitigar direitos das mulheres, a gente está às voltas com uma violência legislativa, usam um instrumento aparentemente legal para reduzir a nossa condição a subcidadã e não podemos admitir”, disse.