Quando o Grito da Independência completar 200 anos, em 2022, a letra deste hino também fará dois séculos de existência. Com o fim da monarquia e a Proclamação da República, o hino deixou de ser ouvido em cerimônias, mas o maestro Heitor Villa-Lobos, durante o governo de Getúlio Vargas, lá pela década de 1930, resgatou a melodia.
“A música significa harmonia e união. E a música une gerações e até nações. Essa é a razão pela qual Villa-Lobos resgatou a melodia de Dom Pedro I do hino da independência”, explicar o maestro João Carlos Martins.
A música sempre vai marcar um momento da nossa vida e da nossa história. A escrita, em forma de poesia e de protesto também.
Das sacadas de uma casa, de arquitetura colonial, do século 17, de Vila Rica, hoje Ouro Preto (MG), dá para avistar muito de uma cidade que respira história. O local abrigou a ouvidoria da então Vila Rica e o seu ouvidor-geral Tomás Antônio Gonzaga. Um poeta português que queria que Minas Gerais fosse independente.
No local se reuniam aqueles que queriam a separação de Minas Gerais da coroa portuguesa e a criação de uma república. Eram os inconfidentes que hoje são chamados de conjurados.
A mudança de nome, hoje consenso entre historiadores, é porquê "inconfidência" era um crime grave de traição contra o rei português. Enquanto na verdade eles se reconheciam como conjurados, realizando uma conspiração para se libertar e criar uma república e usavam muita poesia para isso.
Era no local que Tomás buscava inspiração para escrever as cartas chilenas. Nas obras satíricas consideradas as mais emblemáticas desse período, o autor criou o personagem Critilo. Um habitante de Santiago do Chile que narra ao amigo Doroteu os mandos e desmandos de um tal governador chamado "Fanfarrão Minésio".
O Fanfarrao, imaginado pelo autor, nada mais era do que o governador das Minas Gerais do fim do século 18, Luis da Cunha Menezes. Os comentários eram sarcásticos.
“Quando ele escreve as Cartas Chilenas que é um poema, o que é que ele está contando ali? Ele está descendo a lenha no governador das Minas dizendo que ele é corrupto e fazendo a mais importante denúncia contra a corrupção já feita no Brasil em versos”, conta a historiadora Heloisa Starling.
No período da Independência a escrita também ganhou outra forma para espalhar poesia e novas ideias: eram os panfletos libertários.
Durante a monarquia, panfletos assim representavam um grito de guerra. Na época eles eram feitos a mão, com papel, tinta e pena para escrever. Uma frase dessas coladas em postes, nas portas, janelas, lidas em voz alta nas ruas, caia na boca do povo e como um vento forte se espalhava por todos os cantos.
“Era uma espécie de rede, né? De rede social, de comunicação, porque sobretudo esses manuscritos, eles eram distribuídos na rua. Então o público atingido por esses manuscritos pode ser considerado muito grande”, afirma o pesquisador e professor da UFRJ, José Murilo de Carvalho.
Os panfletos eram escritos por quem estava inconformado, e incomodado com o a monarquia. Entre eles padres, juristas, funcionários públicos, e até militares e população em geral menos letrada. Cada um escrevia do jeito que sabia. As discussões políticas afloravam, ferviam e viravam assunto.
Faz pouco tempo que os historiadores começaram a estudar a fundo esta forma de comunicação da época. Muitos tinham uma linguagem bastante agressiva, principalmente no Rio de Janeiro, onde estava a corte, ainda Recife, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, e em Lisboa, Portugal.
A primeira onda de panfletos teria surgido durante a dúvida de Dom João. Se ele deveria voltar ou não pra Portugal.
“Muita gente diz que a Independência foi um complô dos Bragança, para manter um controle do Brasil, para outros foi dos burocratas, do Rio de Janeiro, que quiseram se manter no poder. Para outros foi um complô de grandes proprietários escravistas que quiseram fazer isso e esses panfletos mostram que não. Que o processo foi mais complexo do que isso, incluindo essas manifestações populares via panfletos”, afirma o historiador José Murilo de Carvalho.
“Lá no século XIX não havia Brasil, mas tinha uma ideia de Brasil. Essas pessoas com opiniões e formas de pensar as mais diferentes, elas tão debatendo uma ideia de Brasil para construir um Brasil e sonhando com projetos de futuro para o nosso país. Voltar ao passado, ao século XIX para ver onde tão as raízes da liberdade, da republica e do sonho de Brasil, e de um projeto de Brasil, é essencial para nós hoje”, diz Heloisa Starling.