“Frio, fome, rato na cela”, desabafa jovem negro preso injustamente após soltura

Samuel Oliveira foi acusado por PMs de ter roubado um carro à mão armada, mas provas confirmam que o jovem estava no transporte público durante o crime

Da redação

O portão do presídio abre e de dentro sai Samuel Oliveira da Silva, de 19 anos. O abraço apertado dos parentes confirma que o pesadelo acabou. Acontece que o jovem mecânico foi preso injustamente, há nove dias, pelo roubo de um carro. O Jornal da Band acompanhou a ida dele para casa.

"Foram muito difíceis esses oito dias que passei com frio, fome, rato na cela. Graças a Deus, a Justiça foi feita”, desabafou Samuel assim que saiu do presídio.

Sem antecedentes criminais, o auxiliar de mecânico foi acusado pela polícia de roubar um carro à mão armada, mas o crime aconteceu enquanto ele estava dentro do transporte público.

Imagens obtidas pela Band mostram que Samuel saía do trabalho pouco depois das 18h no dia 11 de julho. Os registros do cartão de transporte dele são outras provas que corroboram com a inocência do jovem, pois indicam que ele, de fato, estava num transporte público.

Era o trajeto de sempre, a mesma rotina de sempre. Só que, do nada, tudo vira de ponta-cabeça (irmã do Samuel)
Band teve acesso aos registros do cartão de transporte de Samuel

O percurso dele foi o seguinte: saiu do trabalho, na zona Norte, e pegou um ônibus até o Terminal Barra Funda. Depois, entrou em um trem, fez baldeação e seguiu até uma estação na zona Leste. De lá, pegou mais dois ônibus até chegar à casa. A viagem durou quase duas horas.

Já o roubo aconteceu por volta de 19h20, horário em que Samuel estava no trem. Policiais perseguiram os assaltantes. Um dele foi detido e outros três escaparam. A Polícia Militar de São Paulo fez uma ronda no bairro, onde o jovem mora e foi preso.

Uma imagem exibida om exclusividade no Jornal da Band da última quarta-feira (19) o momento em que Samuel desce do ônibus, no mesmo momento em que ocorria a perseguição policial, uma prova incontestável da inocência dele.

Em outra imagem, Samuel está a caminho da casa de um amigo. Os dois iriam juntos para a academia. Foi na frente da casa desse vizinho que ele foi abordado pelos policiais e preso em flagrante.

Chegaram esculachando ele, jogando ele lá para baixo. Nem perguntaram porque ele estava aqui essa hora, o que ele estava fazendo (amigo que treinaria com Samuel)

Samuel nem estava com as mesmas roupas do suspeito. Ele vestia um moletom vermelho e calça jeans, enquanto o criminoso estaria usando uma “blusa de frio azul” e um “moletom preto”. A única coisa em comum com o assaltante era a cor da pele.

Já é difícil a gente ser negro no mundo de hoje. Ele estava lutando com estudo, trabalho, esforço. Mesmo assim, ainda foi vítima desse sistema racista (pontuou outra irmã de Samuel)

A polícia alega que a vítima reconheceu o jovem. Na decisão judicial que mandou soltar Samuel, a juíza afirma que ele teria sido confundido com um dos autores do crime.

Graves erros foram identificados na prisão de Samuel por um dos principais especialistas em direito penal do país.

A fragilidade da prova é muito gritante. Salta-se aos olhos que não há uma prova mínima sequer para justificar a prisão preventiva dele (Aury Lopes Júnior, especialista em direito penal)

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feito com 5 mil processos, mostra que jovens negros e pobres costumam ser detidos por tráfico de drogas com provas fracas. Em mais de 90% dos casos, as detenções se baseiam nos depoimentos dos policiais. 17% dos suspeitos nem estavam com drogas quando foram presos.

Para você prender, tem que ter algum elemento que derrube a presunção de inocência. Nós, no Brasil, infelizmente, invertemos a equação. Então, nós estamos criando, praticamente, presunção de fuga, presunção de crimes, o que é inconstitucional (Aury Lopes Júnior)

Depois de ser solto, Samuel quis matar a saudade de um hambúrguer. Ele foi recebido em casa com festa.

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