No terceiro episódio do especial do Jornal da Band desta quinta-feira (28), Vinhas e Vinhos desvenda a história do mosteiro que abriga preciosas garrafas de uma bebida rada.
O convento da Cartuxa, em Évora, no Alentejo, é a casa dos monges Cartuxos, que viviam enclausurados e em silêncio absoluto, em meio a uma extensa área agrícola para produzirem alimentos. Oração e contemplação sempre se misturaram com muito mistério.
Só que por causa da extinção das ordens religiosas, em 1834, os Cartuxos foram expulsos de Portugal e os seus bens, confiscados. O governo transformou o convento numa escola agrícola.
Quatro décadas depois, o lugar foi vendido para um magnata da indústria do tabaco. José Maria Eugênio de Almeida tinha um propósito: instalar uma sede agropecuária imensa no sul de Portugal. E foi isso que ele fez. É onde começa a história da Vinícola Cartuxa.
Produtora de tantos vinhos, entre eles, o ícone Pêra-Manca, a vinícola é uma das empresas-pilares de um projeto que foi pensado pelos herdeiros do magnata: criar uma fundação. A Fundação Eugênio de Almeida foi instituída em 1963 e ela nasceu com o propósito muito claro: dar sentido a tanto dinheiro. E o sentido era ajudar os mais pobres e apoiar Évora no seu desenvolvimento.
“O desenvolvimento econômico, educativo, cultural, espiritual da região. Essa é a missão da Fundação, que se mantém e se cumpre e como é que se cumpre? Com as receitas feitas pela Fundação na sua produção agroindustrial, através da comercialização de vinhos, carnes, azeite, etc.”, explica Rui Carreteiro, guia do local.
Cidade classificada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, a região de Évora está muito conservada e bonita, também graças à Fundação.
Todo o conjunto arquitetônico estava em ruínas. Foram necessários 15 anos para que ele voltasse a ganhar vida.
Com a restauração de muitos prédios, Évora, fundada pelos romanos e cercada por muralhas, foi recuperando parte de sua história, da sua cultura. A história que está nas calçadas, nas paredes, no teto, em cada porta, em cada janela.
No século 17, uma construção da cidade abrigava o Tribunal da Inquisição, onde as pessoas eram julgadas e também decapitadas. A Fundação Eugênio de Almeida, comprou o local, que foi transformado em escola, onde atualmente funciona o Centro de Arte e Cultura de Évora.
“A Fundação, há cerca de 15 anos, transformou a história mais longínqua do lugar, que tem uma simbologia carregada de tensão e de carga negativa, transformou naquilo que o seu instituidor queria que fosse: um lugar luminoso, de conhecimento, de cultura, de diálogo e de paz”, exalta Maria do Céu Ramos, administradora da Fundação.
José Eugênio Maria de Almeida construiu um império no seu tempo. E seus descendentes queriam mudar para melhor um mundo que entendiam pertencer a todos. E assim fizeram.
Lembra do mosteiro? Ele foi reconstruído em 1948, pelo bisneto de José Maria, e devolvido aos monges da Ordem dos Cartuxos para eles voltarem a viver como sempre desejaram.
Tudo foi construído e plantado para evitar os barulhos da cidade. Tudo aponta para o céu. E tudo sempre teve muito significado.
A ordem fundada por Sao Bruno, é a mais rígida que se viu até hoje na igreja. E nunca mudou. Vida de penitências, orações, silêncio e solidao. Cada monge tinha uma chave, que abria todas as portas do mosteiro, ou de qualquer mosteiro Cartuxa do mundo.
Em uma das capelas do mosteiro, há um tumulo revestidos com azulejos remanescentes, os primeiros do século 16 de Portugal.
Os monges viviam em celas. No lugar de assoalho, terra. No jardim, cada um plantava o que queria. Os Cartuxos escreveram livros incríveis, mas que não têm autoria. Eles assinavam apenas como “um Cartuxo”. Nem mesmo no fim da vida são revelados os nomes de quem descansa para sempre no local.
Os últimos quatro monges ocupantes do mosteiro, já octogenários, se despediram esse mês para viver na Espanha. E agora, o local vai ser ocupado por religiosas de uma congregação feminina. As monjas vão desembarcar num local ímpar. Num universo de espiritualidade, que os monges sempre chamaram de "escada para o céu".
E é nesse local sagrado, silencioso e cercado de mistérios, que seguem descansando milhares de preciosas garrafas do vinho Pêra-Manca. Enquanto aguardam o momento de chegar aos copos e inspirar brindes de apreciadores em todo o mundo.
É o poder da tradiçao.
No especial Vinhos e Vinhas desta sexta (29), a reportagem do Jornal da Band vai para Tapada do Chaves, uma região de serra em Portalegre, ao norte do Alentejo, que guarda segredos.