A mobilização pelas Diretas Já envolveu políticos, artistas e boa parte da sociedade. Antes de tomar as praças, a democracia conquistou uma das maiores torcidas de futebol do Brasil. O grito de gol foi o grito de liberdade da Democracia Corintiana. Sob o comando de Sócrates, Vladimir e Casagrande, no Corinthians tudo era decidido no voto. E todos votavam.
No maior de todos os comícios, o do Anhangabaú em São Paulo eles trocaram o gramado pelo palanque.
O ex-jogador e comentarista esportivo Casagrande participou dos comícios. “Era um oceano de gente. Não dava para ver o fim. Todo mundo de blusa amarela. Para mim jogar no Morumbi é tranquilo, mas estar no palanque, lutando pelas Diretas Já, com este mar de gente... foi a vez que eu troquei mais energia positiva com um monte de gente, com um milhão de pessoas foi só naquele dia.
Sócrates, que morreu em 2011, dizia: “O roupeiro tinha o mesmo peso que o diretor de futebol nas decisões coletivas, é a expressão máxima do que se chama de democracia, quer dizer, o povo decidindo o seu futuro”.
Wladimir lembra: “E votamos concentração, escolhemos um treinador através de voto...”
A multidão foi ao delírio com uma promessa de Sócrates que traduzia o que as diretas representavam....
“Se a emenda for aprovada, eu não vou embora do nosso país!"
Casagrande mostra uma foto em que aparece ao lado de Osmar Santos e de Sócrates. "Eu tô olhando porque eu não tô acreditando. Só que assim. Ele já tinha sido vendido para Fiorentina, que já tinha depositado dinheiro.”
Nos arquivos da Band, a explicação de Sócrates: “Na verdade eu coloquei aquilo que eu tinha em mãos para apostar ou para tentar pressionar pra que ocorresse no congresso aquilo que todos nós esperávamos em praça pública. A Democracia Corintiana é um dos baluartes do processo de demonização do país. Em um país com tão pouca tradição democrática como o nosso, você ter dentro de um meio extremamente popular algo semelhante ao ideal, querer mais que isso é pretender demais.”
Multidão nos comícios
O palanque dos comícios era o retrato fiel do refrão da música de Milton Nascimento: “Todo artista tem que ir aonde o povo está”. E foi assim nas diretas. No Brasil inteiro.
Em Goiânia a multidão cantou com Martinho da Villa. No Rio teve Beth Carvalho. Atores e atrizes se revezavam nos discursos.
A atriz Esther Góes recorda: “Tinha uma grande comoção, olhando aquilo lá do palanque eu só chorava, a gente chorava muito, de felicidade e de emoção. Era muito, muito fantástico, muito grandioso, e tinha uma coisa de que a gente sentia que a gente tinha esse país, a gente existia, a gente tinha amor uns pelos outros, né, isso era muito forte”.
Canções viraram hinos
Canções viraram hinos, como “Coração de Estudante”, de Milton Nascimento e Wagner Tiso.
“Eu tenho muita lembrança, primeiro da companhia do Henfil, o Henfil inclusive ele inventou a frase "Diretas já", né, e a gente viajava pelos comícios todos, na Praça da Sé, São Paulo, aqui na Candelária, os principais locais assim… a estação em Belo Horizonte, e estávamos sempre lá. O Milton também foi em alguns que ele cantava e eu levava um tecladinho para tocar alguma coisa no palco.”
Também teve arranjo de Wagner Tiso, a música que se tornou símbolo da campanha: “Menestrel das Alagoas”. Na letra de Fernando Brandt, a história de um peregrino que ninguém podia calar. Era uma homenagem ao senador alagoano Teotônio Vilela.
Fafá de Belém cantou a música nos comícios. “Esta é a canção da democracia. Do renascimento do povo, da ira santa de Teotônio”, diz Fafá. “Quanto mais conhecia o país... Era tomado pelo câncer, saiu da extrema direita para ser o líder de qualquer ação contra democracia. Minha parte favorita da música é ‘tocando na ferida redescobre o Brasil’."
O eterno Menestrel
O jornalista Oscar Pilagallo destaca que Teotônio Vilela tinha como uma coisa lírica. “Estava) pensando nas grandes utopias, porque vamos lembrar que estávamos na ditadura e a democracia naquele momento tinha alguma coisa de utópico, assim, não se sabia que a coisa iria acontecer como realmente aconteceu, então essa coisa voluntariosa dele acabou contaminando, para o bem, toda a sociedade”.
Meses antes do início da campanha das Diretas durante uma entrevista ao Canal Livre da Band, Teotônio Vilela, já sofrendo com o câncer, convocou o povo a sonhar e lutar.
“Temos que imaginar”, disse Teotônio. “Temos que conceber a mudança em primeiro lugar na nossa imaginação, para depois aplicá-la. Vai ser uma caminhada longa e difícil do retorno desta nação a normalidade, não vai ser fácil, mas conseguiremos, mas também só conseguiremos se tivermos força para acreditar inclusive no impossível.”
Fafá acabou cumprindo uma espécie de profecia que o senador fez entre risos, durante a gravação de “Menestrel das Alagoas”. “A sua gargalhada junto com a minha, disse ele, pode fazer o Brasil tremer. Mas tremer de alegria, de esperança...”
- Produção: Paula Marolo e Bia Moço
- Edição: Claudia Castro e Alziro Oliveira
- Coordenação: Sergio Gabriel
- Direção de núcleo: Fernando Mattar