Segurança. É isso que as pessoas mais buscam quando contratam um plano de saúde, mas, ultimamente, não é o que os clientes e pacientes encontram depois que assinam um contrato. Mãe de um autista, Liandra Tokashiki lamenta, em entrevista à Band, o pesadelo que vive após receber uma mensagem, em maio, da operadora sobre o cancelamento do convênio.
“[O que sentiu quando você viu a mensagem?] Parecendo com morte mesmo. A vida parece que acaba porque meu filho depende muito das terapias e do plano de saúde para poder desenvolver”, desabafou Liandra.
Esse foi apenas o susto mais recente na delicada relação com o plano de saúde. O filho Artur Tokashiki é autista nível 3, o mais grave. A médica recomendou 40 horas de sessão semanal de terapia. O convênio só liberou 15.
Cancelamentos unilaterais
Liandra não está sozinha. Pessoas idosas, em tratamento de doenças graves, passam pela mesma sina. Outras famílias com casos de autismo e de doenças raras estavam entre os principais atingidos pelos comunicados de rompimento unilateral de contrato com planos de saúde. São pessoas que dependem do convênio, a exemplo do pequeno Enrico, filho de Ana Paula Urbaneto.
É a morte do meu filho. É exatamente isso. Não tem um floreamento da história. Eles estão colocando em risco iminente de morte meu filho (Ana Paula Urbaneto, mãe do Enrico)
O Enrico, de 9 anos, tem atrofia muscular espinhal (AME), uma doença degenerativa que interfere na capacidade de o corpo produzir neurônios responsáveis por movimentos essenciais, como o simples ato de respirar. No quarto, uma série de equipamentos é fundamental para sobrevivência dele. As terapias diárias reduzem o número de internações hospitalares.
Meu filho precisa de cuidado 24 horas por dia. Meu filho depende de equipamentos para viver. Ele precisa de equipamentos para dormir, de equipamentos para terapia, para higiene”, continuou a mãe.
Com as terapias, Enrico progrediu. Atualmente, frequenta a escola, mas tudo é resultado da luta constante contra os planos de saúde. Ana Paula tem quatro ações na Justiça. Esse foi o único jeito de garantir a assistência para o filho.
Acordo com Arthur Lira
Diante da reação negativa da sociedade, as operadoras recuaram nos cancelamentos unilaterais. Na maioria dos casos, o que inclui os do Enrico e Artur, os planos foram reativados após um acordo verbal entre as operadoras e o presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (Progressistas), em Brasília. Mesmo assim, a falta de um documento formal preocupa.
“Se a gente não tem documento, a gente não tem nem o que falar. Se não tem nada modificado na lei, vai trabalhar com princípios gerais com a regra do Código de Defesa do Consumidor”, disse a advogada Laísa Faustino.
51 milhões com planos no Brasil
No Brasil, 51 milhões de pessoas têm planos de saúde. A imensa maioria (83%) tem planos coletivos empresariais, fechado por companhias, ou plano coletivo por adesão, casos de Enrico e Artur. Outro tipo é o individual (17%), em que uma pessoa ou família contrata diretamente com a operadora.
A Lei dos Planos De Saúde tem mais de 20 anos, numa época em que a maioria dos planos era individuais ou familiares, regulamentados e com reajustes controlados pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Hoje, os convênios mais comuns são os coletivos, cujas regras são estabelecidas nos contratos, em que há um índice fundamental: a taxa de sinistralidade.
Na prática, quanto mais o paciente usa o plano, maior será o reajuste. É aí que entra a taxa de sinistralidade, conceito usado para definir a relação entre o custo por acionar o plano de saúde (sinistro) e o valor que a operadora recebe da empresa (prêmio).
“Como mãe de uma criança especial, que depende 100% de mim, eu me sinto totalmente impotente e insegura porque, quando não é um problema de reajuste, é um problema de corte, um problema de limite. Tenho que entrar com outra liminar, entrar com advogado”, concluiu Liandra.