Legal apenas em caso de estupro, risco à saúde da mulher ou em caso de anencefalia do feto, o aborto em qualquer outro cenário é proibido. O que faz com que clínicas ilegais estejam por todo lado. Sem fiscalização ou segurança, muitas mulheres colocam a vida em risco em busca de um aborto e, mesmo proibido, clínicas clandestinas anunciam e agendam abortos pela internet.
O acesso ao aborto ilegal pela internet é tão simples, que a produção do Jornal da Band chegou a conversar por WhatsApp com quem diz fazer o procedimento em clínica, quarto de hotel e até de motel.
Na conversa a produção se apresentou como uma grávida de 9 semanas e, do outro lado da linha, foi indicado três modelos de aborto para ela: com sucção, mini sucção e comprimidos, com enfermeira ou médico. A sucção é feita em uma clínica, por médico, segundo a mensagem da clínica ilegal, a um custo de R$ 15 mil. Já a mini sucção, apresentado pela clínica, custaria R$ 5,6 mil e seria feito em um motel.
Muitos destes lugares têm pouca ou nenhuma estrutura, os riscos à mulher passam por infecções, traumas psíquicos e até de morte. Foi o que aconteceu com a professora Silvia Maria, que já tinha dois filhos quando ficou grávida de um namorado e decidiu abortar.
"Não pensava em mais nada, que só não queria, não podia. Fui até uma mulher que atendia no fundo da casa, quase morri. Não tinha estrutura nenhuma, era um fundo de quintal, nem sei a procedência, se era enfermeira. Paguei R$ 3 mil na época", relembra. Arrependida, hoje Silvia é voluntária em um centro que aconselha grávidas a não abortarem.
Tal situação arriscada para as mulheres, para Leticia, Rocha, cientista da religião e integrante do Católicas pelo Direito de decidir, não deveria se resumir a 'ser contra ou a favor do aborto'. "Mulheres estão morrendo por falta de políticas públicas, inúmeras mulheres estão buscando essa prática de forma clandestina, onde as vidas quando não ceifadas, causam sequelas", diz.
Mesmo amparada por lei, aborto legal ainda é de difícil acesso
Desde 1940 o Código Penal Brasileiro considera o aborto um crime. A mulher só pode interromper a gestação em caso de risco para a gestante, estupro ou má formação cerebral do feto. Mesmo amparadas pela lei, muitas recorrem ao clandestino, já que o processo na Justiça pode demorar.
Tuane Tonon, advogada especialista em direito médico da saúde, teve uma gestação planejada e esperada pela família, mas uma notícia abalou a todos. "Eu era gestante de um feto anencefálico", conta. Estudos indicam que casos como o de Tuane causam 70% de mortalidade dentro do útero e a maioria que chega a nascer, vive menos de 24 horas.
A família acompanhava a gestação, que estava na 26ª semana e causando risco de vida à Tuane. "Eu comecei a ter desmaios, passei risco de vida e foi aí que decidi fazer um aborto", diz.
Quando avisou o médico da decisão, ele pediu para entrar com uma ação na Justiça, mesmo o Supremo Tribunal Federal ter tipificado que sem elementos vitais do feto, o aborto é legalizado sem procedimentos jurídicos.
"Questionei o médico o porquê de não só me internar em um hospital e logo fazer a interrupção. Ele disse não, mesmo eu tendo dupla permissão, ele disse que não iria brigar com o hospital e que demoraria tanto que daria tempo do nascimento e não do aborto", relembra.
Foi então que Tuane decidiu recorrer à ilegalidade. "Fiz de forma particular, minha família pôde me proporcionar isso. Não foi barato, custou de R$ 50 mil a R$ 60 mil", afirma. Mesmo pagando caro, ela teve complicações e foi ao hospital. Lá, ela foi ameaçada de prisão, mesmo amparada duplamente pela lei.
"A enfermeira tinha chamado a polícia, ela gritava comigo. Eu só queria fazer o meu parto, eu estava amparada pela lei", afirma.