O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, anunciou nesta segunda-feira (09/10) um "cerco total" à Faixa de Gaza, o superpopuloso enclave palestino de onde partiram os terroristas do Hamas que massacraram centenas de civis israelenses no último sábado. Segundo Gallant, Israel suspenderá o fornecimento de água, eletricidade, alimentos e combustível para Gaza, onde vivem cerca de 2 milhões de palestinos, que já sofre com um severo bloqueio econômico e de circulação há 15 anos.
"Ordenei um cerco total a Gaza. Estamos lutando contra animais e agiremos de acordo", disse Gallant. No domingo, ao visitar uma das cidades israelenses atacadas pelo Hamas, o ministro já havia advertido que que "o preço que a Faixa de Gaza pagará será muito pesado".
No domingo, o gabinete de Segurança da Israel declarou formalmente estado de guerra, o que, segundo o governo, permitirá "medidas militares abrangentes".
Nesta segunda-feira, o Hamas continuou a atacar o território de Israel pelo ar. Foguetes lançados pelo grupo atingiram cidades como Jerusalém e Tel Aviv. Um foguete explodiu perto do Aeroporto Internacional Ben Gurion.
Pressão por invasão terrestre
A Faixa de Gaza, que é controlada com mão de ferro pelo grupo fundamentalista islâmico Hamas, já vem sendo alvo de pesados ataques aéreos israelenses desde sábado. Segundo as autoridades de saúde locais, mais de 500 palestinos já foram mortos nesses ataques aéreos.
No momento, cresce entre setores do governo israelense a pressão por uma invasão por terra da Faixa de Gaza. Israel convocou 300 mil reservistas após os ataques de sábado. Tanques foram deslocados para as imediações do enclave palestino.
No fim de semana, o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, que prometeu "vingar" os massacres do fim de semana, advertiu aos palestinos que deixem áreas de Gaza onde o Hamas opera. Mas, com Gaza isolada e cercada, moradores dizem que não têm para onde fugir.
Até a manhã desta segunda-feira, 123 mil haviam deixado suas casas na Faixa de Gaza, de acordo com o Gabinete de Coordenação para os Assuntos Humanitários das Nações Unidas. Destas, cerca de 73 mil procuraram abrigo em 64 escolas.
A última operação israelense em Gaza que incluiu uma invasão terrestre ocorreu em 2014, e deixou um saldo de mais de 2 mil mortos na faixa, a maioria civis, segundo as Nações Unidas. Desde então, Israel vinha preferindo realizar apenas operações aéreas contra o Hamas, também como uma forma de limitar potenciais baixas de tropas terrestres israelenses. Mas, após o massacre de sábado, diferentes setores políticos e militares israelenses passaram a pressionar pela tomada de medidas mais drásticas contra o Hamas.
"Qualquer coisa menos do que uma invasão será um grave erro. Precisamos conquistar Gaza, ou pelo menos a maior parte dela, e destruir o Hamas. Não podemos continuar a fazer as mesmas coisas que fizemos antes e que não estão funcionando", disse Amir Avivi, ex-vice-comandante da Divisão de Gaza das forças armadas de Israel.
As tropas israelenses ocuparam Gaza por quase quatro décadas entre os anos 1960 e 2000. Em 2005, Israel promoveu uma retirada unilateral do enclave. No entanto pouco depois a área caiu sob domínio completo do Hamas, que expulsou políticos palestinos moderados e impôs um regime fundamentalista, passando ainda a promover ataques regulares a Israel. Desde 2007, Israel e Egito – que também se opõe ao Hamas – impõem um severo bloqueio econômico e de circulação ao enclave, que ficou ainda mais empobrecido no período.
No entanto, a tomada de dezenas de reféns israelenses pelo Hamas, incluindo mulheres e idosos, que foram levados pela Gaza, devem complicar potenciais planos de invasão terrestre. Um porta-voz das Brigadas Izz ad-Din al-Qassam, o braço armado do Hamas, disse nesta segunda-feira que os bombardeios de Israel à Faixa de Gaza já mataram quatro reféns israelenses.
Uma nova invasão por terra também levanta o temor de mais um banho de sangue. Gaza é uma das áreas mais densamente povoadas do planeta, com cerca de 2 milhões de habitantes.
"11 de Setembro e Pearl Harbor" de Israel
Nesta segunda-feira, o governo israelense informou que havia recuperado o controle das localidades no sul do país que foram invadidas por terroristas do Hamas no sábado. Porém, soldados israelenses e terroristas ainda trocavam tiros na localidade de Kfar Azza.
Israel ainda conta seus mortos no ataque, que incluiu o lançamento de foguetes e a infiltração de homens armados por mais de duas dezenas de pontos na fronteira com Gaza. Dentro de Israel, os terroristas atacaram instalações militares e passaram a massacrar sistematicamente a população, chegando a ir de casa em casa para assassinar moradores.
Segundo os últimos números, mais de 700, a maioria civis, foram mortos na ofensiva surpresa do Hamas, que inclui ataques por mar, terra e ar. No domingo, 260 corpos foram encontrados no local de um festival de música que ocorria perto da fronteira com Gaza e que foi atacado por homens armados. Os EUA confirmaram que nove americanos. Há também três brasileiros desaparecidos.
O ataque já é um dos eventos mais graves da história israelense. O último grande episódio comparável, a sangrenta Segunda Intifada, no início dos anos 2000, matou mais de mil israelenses, mas ao longo de quatro anos de conflito aberto com os palestinos. Na Guerra do Yom Kippur, em 1973, mais de 2.500 militares israelenses morreram em duas semanas de conflitos com a Síria e o Egito. Já as centenas de mortes israelenses no ataque do Hamas foram registradas em apenas um dia.
Além de assassinar centenas, inclusive crianças, o Hamas ainda sequestrou dezenas em Israel, incluindo cidadãos estrangeiros, levando-os para Gaza. Muitos foram raptados do festival de música que foi alvo do ataque, mas militares e policiais também teriam sido levados.
No início da segunda-feira, o tenente-coronel Jonathan Conricus, porta-voz das Forças de Defesa de Israel, descreveu os acontecimentos de sábado como devastadores. "Este é, de longe, o pior dia da história de Israel. Nunca antes tantos israelenses foram mortos por uma única coisa num único dia."
Ele também afirmou que o dia pode ser comparado a uma combinação de "11 de Setembro e Pearl Harbor", em referência aos atentados sofridos pelos EUA em 2001 e o ataque surpresa japonês à base de Pearl Harbor em 1941, que marcou a entrada americana da Segunda Guerra Mundial.
Crítica ao serviço de inteligência israelense
Esses dois episódios históricos também evidenciaram profundas falhas de inteligência nos EUA. Em Israel, o ataque também evidenciou falhas semelhantes dos setores de inteligência e informação do país, considerados até então entre os melhores do mundo, que não conseguiram detectar de antemão a abrangente e ousada ofensiva do Hamas.
"É um grande fracasso”, disse Yaakov Amidror, antigo conselheiro de Segurança Nacional do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. "Esta operação prova na verdade que as capacidades [de inteligência] em Gaza não eram boas.” Amidror evitou especular sobre as causas do fracasso, dizendo que as lições devem ser aprendidas quando a poeira baixar.
O contra-almirante Daniel Hagari, um dos principais porta-vozes militares de Israel, reconheceu que as Forças Armadas devem uma explicação ao público, mas agora não seria o momento. "Primeiro lutamos, depois investigamos”, disse.
"Nenhuma agência nacional de inteligência é onisciente ou perfeita, mas isso é um fracasso colossal”, criticou Bruce Hoffman, pesquisador de contraterrorismo à rede americana NPR.
Durante a última década, o Hamas atacou Israel em grande parte com o lançamento de foguetes. Como resultado, as forças israelenses em torno de Gaza não estavam preparadas para um ataque terrestre, avalia Hoffman. "Eles não estavam prontos para a batalha. Acho que houve uma complacência de que tudo estava tranquilo na fronteira com Gaza.”
Alguns analistas, porém, apontam que é cedo demais para atribuir a culpa exclusivamente a uma falha de inteligência, citando que uma parte significativa dos recursos militares estavam sendo empregados na Cisjordânia, deixando a fronteira com Gaza menos protegida.
Antes do ataque, Israel também enfrentava um momento político delicado, devido às medidas tomadas pelo governo de ultradireita de Netanyahu para enfraquecer o Judiciário, que provocou fissuras na coesão das Forças Armadas, com muitos militares demonstrando insatisfação com os planos.