Novos documentos indicam que instituições católicas em Roma, na Itália, abrigaram ao menos 3.200 judias e judeus que fugiam do nazismo. A informação consta de um comunicado assinado pelo Pontifício Instituto Bíblico em Roma, pela Comunidade Judaica de Roma e pelo Yad Vashem, memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto.
Pesquisadores das três instituições apresentaram os achados nesta quinta-feira (07/09) em uma conferência no Museu da Shoá – termo usado pela comunidade judaica para se referir ao Holocausto –, próximo à Grande Sinagoga de Roma.
Os documentos listam nomes – corroborados pela comunidade judaica local – de ao menos 3.200 pessoas de origem judaica que teriam sido abrigadas por 100 congregações de mulheres e outras 55 de homens.
Lista era dada como perdida
Segundo o anúncio conjunto, a lista de instituições católicas que acolheram judeus já havia sido publicada pelo historiador italiano Renzo de Felice em 1961, mas a documentação completa – originalmente compilada pelo clérigo jesuíta Gozzolino Birolo entre 1944 e 1945, após a libertação de Roma pelos aliados – era até então dada como perdida.
"A lista redescoberta recentemente menciona mais de 4.300 pessoas, dentre as quais 3.600 são identificadas pelo nome", consta do comunicado. "A comparação com os documentos mantidos no arquivo da Comunidade Judaica de Roma indica que 3.200 certamente eram judeus."
"Destes [3.200] sabe-se onde estavam escondidos e, em certas circunstâncias, onde viviam antes de serem perseguidos", continua o texto. "A documentação, portanto, eleva significativamente a informação sobre a história do resgate de judeus no contexto das instituições católicas de Roma."
As instituições alegam que não revelarão os nomes das listas para proteger a privacidade dos envolvidos e de seus descendentes.
Roma esteve sob ocupação nazista
A capital italiana foi ocupada pelos nazistas por nove meses entre 1943 e 1944. Nesse período, segundo o comunicado, cerca de 2.000 judias e judeus – de um total de 10.000 a 15.000 que viviam na cidade – foram deportados e assassinados.
Aproximadamente 8.000 judeus italianos perderam a vida no Holocausto.
Antes mesmo da ocupação nazista, em 1938, o regime fascista de Benito Mussolini introduziu leis antissemitas que impuseram a segregação da população judaica local.
Papel controverso da Igreja Católica na Segunda Guerra
O papel da Igreja Católica na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) continua controverso. O Papa Pio 12, que comandou a instituição de 1939 a 1958, foi acusado por críticos de agir com indiferença ao Holocausto e silenciar sobre os malfeitos de Hitler e Mussolini. Já seus apoiadores afirmam que o homem agia nos bastidores para salvar judeus e outros perseguidos.
Pesquisadores só tiveram acesso aos arquivos do Vaticano sobre o mandato de Pio 12 em 2020. Um livro publicado nos Estados Unidos em 2022 por David Kertzer – intitulado "The Pope at War" (O Papa em Guerra) – sugere, com base nesses arquivos, que as vidas judaicas que a Santa Sé mais se empenhou em salvar eram daqueles que haviam se convertido ao catolicismo ou que eram filhos de casamentos inter-religiosos.
Pio 12 teria agido, segundo Kertzer, não por antissemitismo, mas por temor: por um lado, do que uma vitória do Eixo significaria para a Igreja Católica e seus fiéis nos territórios ocupados pelos alemães; por outro lado, de que uma derrota do Eixo pudesse significar a expansão do comunismo e, por tabela, do ateísmo.
A documentação de que trata o comunicado desta quinta não traz novidades sobre o papel do pontífice durante a ocupação nazista de Roma.
Outros nomes bem posicionados na hierarquia do Vaticano já foram acusados de ajudar criminosos nazistas responsáveis pela morte de milhares de judeus a escapar da Alemanha após o fim da guerra.
ra/cn (DW, AP, ots)