Harris coloca Trump na defensiva em debate inflamado

Analistas avaliam que democrata Kamala Harris se saiu melhor no duelo com o republicano Donald Trump, mas não está claro se o desempenho deles mudará algo na opinião dos eleitores.

Por Deutsche Welle

Os dois candidatos à presidência dos Estados Unidos, a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump, se enfrentaram num debate inflamado na Filadélfia na noite desta terça-feira (10/09).

Separados por uma pequena margem nas pesquisas eleitorais, os candidatos optaram por estratégias claras no debate: Harris provocou o republicano, muitas vezes atingindo o seu ego, e este tentou associá-la ao que chamou de "fracassos de Biden".

Harris afirmou que a "retórica divisória" do republicano não tinha relação com as reais preocupações dos americanos. "Donald Trump foi demitido por 81 milhões de pessoas", disse ela, numa das falas mais memoráveis da noite – uma referência ao bordão "você está demitido", que Trump usava nos tempos em que era uma estrela de reality show no programa O Aprendiz. "E é evidente que ele está tendo muita dificuldade para processar isso."

Já o republicano martelou seus temas favoritos – inflação e imigrantes sem documentos, mesmo quando não eram o assunto da pergunta – e fez a afirmação mais bizarra da noite, a de que imigrantes em Springfield, Ohio, estariam comendo cachorros e gatos das famílias que vivem lá – uma afirmação que fez sucesso nas mídias sociais e foi desmentida na hora pelo moderador David Muir.

"Temos milhões de pessoas entrando em nosso país vindas de prisões e cadeias, de instituições mentais e manicômios, e elas estão entrando e tomando os empregos que hoje são ocupados por afro-americanos e hispânicos e também por [trabalhadores filiados aos] sindicatos", afirmou o ex-presidente.

Harris tenta oferecer visão otimista

Harris aproveitou várias oportunidades para mencionar o que se tornou seu novo slogan de campanha – "We're not going back" (Não vamos andar para trás) – e fez tudo o que pôde para oferecer aos americanos uma visão otimista, em contraste com o que ela pintou como a visão negativa e retrógrada de Trump sobre a situação dos EUA.

A democrata claramente irritou Trump ao afirmar que as pessoas vão embora dos comícios dele "por cansaço e tédio". Dirigindo-se diretamente à câmera, Harris convidou os espectadores a assistirem a um dos comícios do ex-presidente, afirmando que é algo "realmente interessante de se ver".

"Em seus comícios, ele fala sobre personagens fictícios como Hannibal Lecter, menciona que as turbinas eólicas causam câncer, e o que você também notará é que as pessoas começam a ir embora mais cedo, por cansaço e tédio", alegou.

Trump respondeu: "As pessoas não vão aos comícios dela. Não há motivo para ir". Ele também negou que o público deixa seus comícios, que ele descreveu como "os maiores e mais incríveis da história da política".

Para a chefe da sucursal da DW em Washington, Ines Pohl, "num mundo normal, não haveria praticamente nenhuma dúvida: Kamala Harris seria a clara vencedora desse debate". "Ela se apresentou como responsável, confiante, bem-informada e capaz de conduzir este país a um futuro melhor. Donald Trump, por outro lado, foi colocado na defensiva por ela; ele mal conseguia terminar uma frase completa e vomitava uma mentira atrás da outra, às vezes tão irracional que era difícil de acreditar", comentou.

Mas, para metade do eleitorado dos EUA, isso não deve mudar nada, disse Pohl. "A amarga verdade é que os Estados Unidos de 2024 não são mais um lugar onde a verdade e os fatos importam."

Associação de Harris a Biden

No entanto, Harris também ficou na defensiva durante o debate, com Trump frequentemente tentando chamar a atenção para o fato de ela ser a vice-presidente desde 2021 e ser corresponsável pelo que o republicano chamou de "fracassos de Biden".

De acordo com pesquisas recentes, mais eleitores confiam em Trump em relação à economia, e Trump tentou vincular Harris a pontos como inflação, imigração e guerra da Rússia na Ucrânia.

Diante das várias tentativas de Trump de associá-la ao presidente Joe Biden e suas políticas, Harris retrucou dizendo: "Você não está concorrendo contra Joe Biden. Você está concorrendo contra mim."

O debate começou com uma pergunta dirigida a Harris que tocou no que é considerado um ponto fraco da candidata democrata: "Você acredita que os americanos estão em melhor situação do que estavam há quatro anos?"

Harris fugiu um pouco da questão, respondendo: "Fui criada como uma criança de classe média e, na verdade, sou a única pessoa neste palco que tem um plano para elevar a classe média e os trabalhadores dos Estados Unidos" – outra cutucada em Trump, desta vez na origem rica do magnata.

Para a professora de ciências políticas Laura Merrifield Wilson, da Universidade de Indianápolis, Harris tinha um bom motivo para evitar a questão que lhe havia sido feita. "Ela tem dificuldade em se diferenciar de Biden nesse aspecto", disse Wilson à DW. "Você pode analisar algumas medidas econômicas e dizer que a economia pode estar indo bem, mas para a maioria das famílias americanas, elas estão olhando para suas contas de supermercado e como elas eram muito menores há quatro anos. Não sei se ela abordou exatamente como uma presidência de Harris mudaria isso."

Harris se mostrou bem mais firme no tema aborto – uma questão que passou a definir esta eleição para muitos eleitores, e sobre a qual Trump tem mudado frequentemente de posição ao longo dos anos. No debate, o candidato republicano alegou – erroneamente – que alguns democratas querem legalizar o aborto no nono mês de gravidez ou mesmo executar um bebê após o nascimento.

A fala de Trump levou uma das moderadoras do debate, Linsey Davis, da emissora ABC, a uma resposta direta: "Não há nenhum estado neste país onde seja legal matar um bebê depois que ele nasce."

Israel e Ucrânia

Após cerca de 50 minutos, a discussão se voltou para assuntos internacionais – especificamente as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. Trump evitou a pergunta – feita várias vezes – sobre se ele queria que a Ucrânia vencesse a guerra, insistindo, em vez disso, que ele poderia resolver o conflito quase imediatamente após eleito.

Ele também afirmou que nenhum dos conflitos teria começado se ele tivesse sido presidente nos últimos três anos e que, se Harris for eleita, "Israel não existirá daqui a dois anos".

Harris rebateu essa alegação e tentou elaborar uma resposta, repetindo uma frase que ela tem dito com frequência no último ano: "Israel tem o direito de se defender, e a forma como o faz importa." Ela condenou os ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023 e acrescentou que "também é verdade que muitos palestinos inocentes foram mortos". Harris sugeriu que, sob sua presidência, os EUA continuariam a trabalhar em prol de um cessar-fogo e de uma solução de dois Estados, que é a posição oficial dos EUA há muitos anos.

Harris também acrescentou que os EUA continuariam a fornecer armas a Israel, dizendo que "sempre daria a Israel a capacidade de se defender". O que ela não fez, na avaliação de Wilson, da Universidade de Indianápolis, foi deixar claro como equilibrar todos esses objetivos.

"Harris se beneficiou de as afirmações de Trump terem sido sobretudo ultrajantes, e assim fáceis de serem rebatidas", disse Wilson. "Mas acho que ela teve dificuldades para explicar como manter uma solução de dois Estados e também apoiar um cessar-fogo. Isso é algo muito complexo."

Harris deu uma resposta mais clara sobre a Ucrânia, destacando seu próprio papel em ajudar a formar uma aliança de nações em apoio ao país. "A razão pela qual Donald Trump diz que essa guerra terminaria em 24 horas é porque ele simplesmente desistiria dela", disse a vice-presidente. "Se Donald Trump fosse presidente, Putin estaria em Kiev neste momento", disse ela, afirmando ainda que o republicano é fraco na política externa e facilmente manipulado por líderes autoritários, "com lisonja e favores".

Quem venceu o debate?

Após o confronto de 90 minutos – a primeira vez que Harris e Trump se encontraram – a opinião dominante entre analistas e cientistas políticos é de que Harris colocou Trump na defensiva e venceu o debate. "Harris coloca Trump na defensiva em debate acirrado", afirmou o jornal The New York Times na sua manchete.

"Acho que, no geral, Harris teve um desempenho muito forte no debate", observou Wilson. Já a cientista política Daniela Melo, da Universidade de Boston, afirmou, em declarações à agência de notícias Lusa, que Harris conseguiu controlar a direção do debate. "Trump não conseguiu articular a sua mensagem. Passou a maior parte do tempo se defendendo", frisou Melo.

Mas não está claro se isso fará alguma diferença na eleição, daqui a pouco menos de dois meses. "Não sei se esse debate necessariamente mudará o rumo, mas vimos recentemente em muitas pesquisas que, embora Harris estivesse na liderança dentro da margem de erro, ela estava caindo um pouco – e suspeito que essa tendência possa ter acabado depois desse debate", disse Wilson.

"Os apoiadores de Trump permanecerão leais a ele, mesmo depois desse desempenho", observou Pohl, da DW. "Os partidários de Harris podem ficar ainda mais energizados depois de sua forte apresentação."

Mas Wilson acha que também Trump conseguiu marcar alguns pontos. "Na declaração final, Donald Trump fez um ótimo trabalho ao dizer que, se ela quisesse fazer essas mudanças, poderia tê-las feito em três anos e meio", disse. "Mas Harris teve o cuidado de não se vincular a Biden, de não mencioná-lo demais."

Apoio da superestrela pop Taylor Swift

Os democratas receberam um impulso logo após o debate, quando a superestrela pop Taylor Swift declarou num post no Instagram que votaria em Harris e em seu companheiro de chapa, Tim Walz.

Para a chefe da sucursal da DW em Washington, o resultado do debate não deverá impulsionar nenhum dos candidatos para além da linha de chegada, mas o apoio de Swift a Harris pode fazê-lo.

Autor: Ben Knight

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