É até difícil pensar nisso pela perspectiva de quem está habituado às interações instantâneas de um mundo completamente conectado: mas, em meados do século 19, até as notícias importantes levavam mais de um mês para chegarem da Europa aos jornais do Brasil – e vice-versa.
Uma nova era nas comunicações começou exatamente há 150 anos, em 22 de junho de 1874, quando um cabo submarino transatlântico – o primeiro instalado na costa brasileira – passou a operar, conectando o Recife, no Nordeste, à praia de Carcavelos, na região de Lisboa, capital portuguesa.
Tanto no Brasil quanto na Europa, o cabo se conectava às redes telegráficas que já existiam.
No dia seguinte, o Jornal do Recife celebrou o êxito: "Estamos, pois, em comunicação instantânea com o mundo inteiro, e já ontem mesmo se trocaram alguns despachos particulares com a praça de Londres".
"Da resposta à mensagem só mediaram duas horas. Não há o que duvidar: uma nova era começou ontem em nosso país", pontuou a reportagem.
"Esse cabo era o estado da arte em termos da tecnologia da época", comenta o administrador de empresas e engenheiro da computação Vivaldo José Breternitz, professor na Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatec).
Código morse e boom do café
O cabo foi instalado e era operado pela Brazilian Submarine Telegraph Company e mexeu com a economia da época. Quatro meses antes, por exemplo, já de olho nas novas possibilidades, foi inaugurada no Rio a Agência Americana Telegráfica (AAT), que distribuía notícias brasileiras para a Europa e recebia os comunicados de lá.
Com a novidade tecnológica, mensagens eram convertidas em pulsos elétricos por meio do código morse – invenção do americano Samuel Morse (1791-1872). Essa operação necessitava de pessoas aptas a codificar e decodificar os textos nas duas pontas.
"Não existia um dispositivo para automatizar o processo de conversão do dado como um todo num sinal que pudesse ser modulado e recebido do outro lado. Tudo era feito por humanos que conheciam código morse e afins. Você precisava de uma pessoa que soubesse converter um idioma humano em pulsos elétricos e, do outro lado, alguém que pudesse fazer o processo reverso", explica o engenheiro da computação Carlos Rafael Gimenes das Neves, professor na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
O cabo submarino era um enorme condutor de cobre completamente isolado com látex de guta-percha – que, ao contrário da borracha comum, é rígida, podendo ser considerada um termoplástico.
Mas não foram só as notícias que ganharam agilidade. Contratos comerciais também se beneficiaram da medida, e especialistas ressaltam que a fase áurea da cafeicultura brasileira se deve em parte a essa facilidade.
"O lançamento do cabo marcou uma mudança em nosso cenário econômico e social. Anteriormente, a comunicação com a Europa era feita exclusivamente por navios a vapor, que demoravam cerca de 30 dias para cruzar o Atlântico", compara Breternitz. "Ou seja: cartas de negócios e assuntos pessoais levavam um tempão. Os cabos trouxeram uma nova dinâmica aos negócios numa época em que o Brasil estava começando a se tornar um exportador de café importante."
Para o usuário, não era barato. No livro Histórias dos Jornais no Brasil, o jornalista Matías Molina conta que um telegrama de apenas 20 palavras do Brasil para a Inglaterra custava o equivalente a 94 dólares.
Isso fez com que muitas abreviações fossem criadas – a tal escrita telegráfica. Era um mecanismo que agilizava o trabalho dos operadores dos telégrafos e, ao mesmo tempo, barateava o preço final pago pelo emissor. "As pessoas acabaram se habituando a abreviar as mensagens, a encurtar as palavras", destaca Neves. "Ou seja: não muito diferente do que se faz hoje [na comunicação em texto via celular]."
Cabos ou satélites?
Mesmo com o advento dos satélites, os cabos submarinos ainda são a base das telecomunicações no planeta. Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), essa tecnologia é responsável por mais de 90% da transmissão de dados entre os países.
Segundo o cientista da computação Daniel Couto Gatti, professor na PUC-SP, as razões da primazia dos cabos frente aos satélites são o custo mais baixo, tanto de instalação como de manutenção, "e a velocidade mais alta de transmissão dos dados".
"Em satélite você tem limitações. Se precisa trocar alguma coisa tem de mandar foguete. No caso do cabo, não precisa trocar o meio a toda hora, e o custo de manutenção não é alto hoje em dia", comenta ele. "É importante manter os dois modelos, pois com satélite conseguimos levar as coisas mais longe."
Claro que os cabos atuais não utilizam mais os velhos condutores de cobre e os pulsos em morse. Hoje em dia, são feitos de fibra óptica e não dependem nem da eletricidade nem de operadores humanos. Além disso, são dotados de um processo conhecido como redundância – o que significa que, quando um apresenta alguma falha, a comunicação chega ao destino por meio de outro caminho dessa rede, em que os cabos estão interconectados.
"A tecnologia mudou bastante. Naquela época era um fio enrolado, tinha um material isolante. Hoje os cabos são mais largos, e se usa fibra ótica", diz Gatti. A qualidade é melhor: "Não dá infiltração, não depende da energia elétrica nem sofre interferência."
No Brasil, há cerca de 20 cabos em operação. Em todo o planeta, são 600. O primeiro cabo submarino transatlântico ligava a Europa aos Estados Unidos e começou a funcionar em 1866. Atualmente, o maior desses cabos é o SEA-ME-WE3, lançado em 2000: são 39 mil quilômetros, conectando 39 pontos da Europa e Ásia.
Em 2001 foi inaugurado com alarde o mais recente cabo submarino de fibra ótica ligando Brasil e Europa – o EllaLink mede 6 mil quilômetros e vai de Fortaleza, no Ceará, a Sines, Portugal, com emersões na Guiana Francesa, na Ilha da Madeira, nas Ilhas Canárias e em Cabo Verde. Custou 150 milhões de euros e foi essencial, de acordo com especialistas, para tornar a telefonia 5G viável no Brasil.
Autor: Edison Veiga