Medo e trauma: Como a Guerra na Ucrânia afeta as milhares de crianças refugiadas

Segundo especialistas, um dos principais cuidados em relação a crianças refugiadas é a saúde mental.

Por Evandro Almeida Jr

A Guerra na Ucrânia tem repetido cenas de refugiados que, infelizmente, se tornaram frequentes no mundo contemporâneo. Mas em uma escala que deixa organizações humanitárias em alerta, principalmente em relação a crianças. De acordo com a Unicef, mais de 1,4 milhão de menores já deixaram a Ucrânia em apenas 24 dias de conflito. A maioria foge apenas com as mães, uma vez que homens entre 18 e 60 anos estão proibidos de deixar o país por causa de uma lei marcial assinada pelo presidente Volodymyr Zelensky.  

Segundo especialistas, um dos principais cuidados em relação a crianças refugiadas é a saúde mental. Das que fugiram, muitas não têm a compreensão exata do que é uma a guerra e o porquê da mudança. Para os pais, há também o desafio de lidar com a situação. E não é difícil imaginar que muitos tentem poupar os filhos da dolorosa realidade, dizendo que a “viagem” é para visitar algum familiar ou apenas ‘férias fora de época’.  

Ane Lemche, psicóloga e conselheira na instituição ‘Save The Children’, diz que os pais sofrem de uma forma diferente de seus filhos. “Em qualquer lugar do mundo a guerra é preocupante para as crianças. Elas sentem medo. E medo dos seus familiares morrerem, de ter que fugir de repente, isso impacta muito elas. Os pais omitem a verdade do que está passando para amenizar a dor dos filhos; mas, sentem uma dor grande por não saber como vai ser a vida da família dali para frente”, relata Lemche.    

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refúgio (Acnur), mais de 35 milhões de crianças se encontram no status de ‘refugiadas’ no mundo. Elas representam 42% das pessoas deslocadas. E a tendência é que esse número aumente. A ‘Save The Children’, com atuação em 122 países, estima que 7,5 milhões de crianças estejam em ‘alto risco e vulnerabilidade’ dentro da Ucrânia. Isso equivale a um milhão a mais do que toda a população da cidade do Rio de Janeiro.  

De acordo com Luiz Fernando Godinho, oficial de comunicação da Acnur, há um outro dado alarmante: o de menores de idade que chegam desacompanhados ou separados de suas famílias. “Ainda não se sabe o número exato, mas temos diversos relatos e estamos identificando para auxiliar pelas suas necessidades específicas. O fato de estarem sozinhas aumenta ainda mais a vulnerabilidade. Estamos com uma atenção redobrada nos países de acolhida”, disse.  

Para Godinho. há um outro fator de risco que afeta e muito a saúde infantil: a disponibilidade de armas nas mãos de civis. “Com mais armas em circulação a chance de elas ferirem crianças é muito grande. Outro ponto que preocupa a Acnur é o fato de algumas crianças também serem recrutadas de maneira forçada para participar de grupos armados”.

Em 24 dias de conflito, a estimativa é de que mais de 3 milhões de pessoas já tenham deixado a Ucrânia. A expectativa da Acnur é de que esse número chegue a 4 milhões, sendo que mais 12 milhões de pessoas podem viver uma situação de crise humanitária por causa da guerra dentro do próprio país. 

Diminuindo impactos na saúde mental  

No médio e longo prazo, os danos podem ser os mais diversos. Segundo Ane Lemche, as crises e guerras têm um efeito devastador na vida de crianças. “Tanto em sua saúde física como mental a guerra traz resultados difíceis. O estresse e as preocupações que as crianças experimentam nestas situações faz com que ao longo do tempo, as crianças possam perder a memória de coisas cruciais no dia a dia como coisas básicas na vida escolar, social e no trabalho e terem reações no corpo como cólicas e febres — por conta do estresse que viveram.”  

Lemche acredita que espaços de acolhimento que deem certo suporte e senso de ‘normalidade’ à vida das crianças podem ajudar a mitigar esses impactos. “É preciso darmos a elas um senso de normalidade e segurança, coisa que perderam devido a guerra. Isso traz uma certa normalização para poderem seguir em frente”, diz a conselheira.    

Para o psicólogo especializado em primeira infância, Paulo Bueno, espaços de acolhimento devem ser pensados para atender a crianças de diferentes idades e garantir poder de fala a elas. “É importante ter espaços que elas possam falar abertamente do medo que vivem ou viveram. Especialmente as crianças que ainda estão numa zona de conflito. Isso ajuda a externar as dores”, conta.

Paulo explica que as crianças reagem de formas distintas aos traumas que viveram. “Diversos estudos apontam que existem crianças que manifestam algumas reações até 9 anos após o ocorrido, então não necessariamente depois do ocorrido. Por isso, criar espaços de acolhida e cuidado são extremamente necessários”.

Enquanto as negociações para um cessar-fogo ainda caminham lentamente, a tendência é que cada vez mais refugiados cheguem a países vizinhos. E milhares de crianças terão suas vidas marcadas para sempre por um conflito que elas não entendem como começou e nem como pode acabar.

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