Guerra Israel-Hamas expõe tensão alemã com visita de Erdogan

Visões distintas sobre o conflito opõem presidente turco e chanceler federal alemão. Encontro foi mantido apesar das críticas a Erdogan por antissemitismo, com Scholz ressaltando importância de "manter o diálogo".

Por Deutsche Welle

Falando durante um pronunciamento conjunto à imprensa em Berlim nesta sexta-feira (17/11), o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, voltaram a expressar visões diametralmente opostas sobre a guerra Israel-Hamas.

"[Isso] não é segredo", afirmou Scholz. "É exatamente por isso que nossas conversas são importantes. Precisamos de diálogo direto um com o outro, especialmente em momentos difíceis."

Enquanto Erdogan apelou por um "cessar-fogo humanitário" e criticou duramente a ofensiva israelense na Faixa de Gaza, citando "o alvejamento de hospitais [e] as mortes de crianças", Scholz reafirmou o direito de defesa de Israel perante o Hamas, algo "chancelado pelo direito internacional" e que "não deve ser questionado".

Scholz ressaltou ainda que a Alemanha é um dos países que mais envia ajuda humanitária a Gaza, e que também o "sofrimento do povo palestino" entristece o governo. "Cada vida tem o mesmo valor."

A Alemanha se opõe a um cessar-fogo porque acredita que isso permitiria ao Hamas se reorganizar e voltar a cometer atentados como o de 7 de outubro, que desencadeou o atual conflito, quando mais de 1.200 pessoas foram mortas em Israel e outras mais de 200 foram raptadas – até agora, apenas cinco foram libertadas; a situação dos demais reféns é incerta.

No lado palestino, autoridades de Gaza – território controlado pelo Hamas – afirmam que a campanha de bombardeios israelenses deixou mais de 12 mil mortos. Segundo Israel, a ação tem por objetivo a destruição do grupo, considerado uma organização terrorista pela Alemanha e por outros países do Ocidente.

Scholz e Erdogan, porém, convergiram na "preocupação" com uma eventual expansão do conflito no Oriente Médio, no apoio a "pausas humanitárias" e na defesa de uma solução de dois Estados para a paz na região – o presidente turco mencionou explicitamente a criação de um Estado palestino baseado nas fronteiras de 1967.

Antes de se encontrar com Scholz, Erdogan também esteve com o presidente alemão, Frank Walter-Steinmeier, de quem ouviu mensagens semelhantes às de Scholz.

Críticos apontaram antissemitismo de Erdogan como razão para cancelar visita

A guerra em Gaza é um ponto contencioso na relação entre Alemanha e Turquia. Desde a eclosão do conflito, Erdogan tem elevado a retórica contra Israel. Antes de sua viagem à Alemanha, ele acusou o país de "fascismo", de cometer um "genocídio" e de agir como um "Estado terrorista", ao passo que se referiu ao Hamas como "libertadores".

As declarações geraram incômodo na opinião pública alemã, que acusou o mandatário de antissemitismo. Scholz reagiu à época chamando as falas de absurdas e frisando que Israel é uma democracia que se atém aos direitos humanos e ao direito internacional.

"Não há lugar para antissemitismo no nosso país, independente de motivação política ou religiosa, de vir da direita ou da esquerda, de ter crescido aqui por séculos ou vir de fora do país", afirmou Scholz nesta sexta em Berlim.

Ao lado dele, Erdogan não voltou a repetir essas declarações, mas insinuou que teria mais liberdade de falar sobre o conflito Israel-Hamas "porque nós [Turquia] não devemos nada a Israel" – uma referência à aniquilação, pela Alemanha nazista, de mais de 6 milhões de judeus durante o Holocausto.

Representantes das comunidades judaica e curda – minoria étnica alvo de represálias de Ankara – se opuseram à visita de Erdogan. A viagem, que quebrou um jejum de quase quatro anos, também foi criticada por políticos da oposição e de partidos da coalizão de governo.

Interesses mútuos

Defensores da visita, porém, ressaltam que a Turquia é um aliado importante para a Alemanha no controle da migração – o país recebeu no passado apoio financeiro da União Europeia para absorver a maior parte dos refugiados da guerra na Síria – e no diálogo internacional com atores difíceis, porém necessários para a resolução de conflitos, como a Rússia e o Hamas – Ankara tem contatos com o grupo palestino e ajudou a viabilizar um corredor para o escoamento de grãos ucranianos pelo Mar Negro.

Também depende do aval da Turquia a entrada da Suécia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), aliança militar da qual Ankara também faz parte. O governo turco havia se oposto à entrada da Suécia na aliança argumentando que o país abrigava terroristas, incluindo curdos e pessoas supostamente envolvidas em uma tentativa fracassada de golpe em 2016. Erdogan deixou essas objeções de lado, mas o parlamento turco ainda precisa ratificar a adesão.

Por outro lado, Erdogan está interessado na compra de 40 aviões Eurofighter, mas a conclusão do negócio depende de uma luz verde da Alemanha. Outro tema de interesse de Ankara é a adesão do país à União Europeia e a simplificação de processos de concessão de vistos de turismo para cidadãos turcos.

ra/le (DW, dpa, ots)

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